Zineb Sedira: Standing Here Wondering Which Way To Go

Argel, 1969. Sete anos após a violenta luta pela independência no país, numa época em que os argelinos se reconectavam com as suas identidades e repensavam as suas estruturas políticas, a cidade era apelidada de “Meca da Revolução». Argel era um importante ponto de encontro internacional para movimentos de libertação e projetos anticoloniais. Foi esse contexto histórico de trocas políticas e utopias que inspirou a artista Zineb Sedira a desenvolver Standing Here Wondering Which Way To Go, um projeto multimídia que explora sonhos emancipatórios, redes transnacionais e noções de convívio. O título da exposição refere-se a uma canção interpretada pela cantora afro-americana Marion Williams no Festival Pan-Africano de Argel, remetendo-nos para o espírito de solidariedade e resistência global dos anos 1960 tão presente na Argélia recém-independente. Dividida em quatro “cenas”, a exposição também celebra a cultura em suas diversas formas como uma ferramenta vital para a mobilização social e a consciência política. Do ponto de vista da carreira da artista, este projeto expande e reforça o notável trabalho de Sedira em torno do arquivo, concebendo-o como um espaço de movimento, ação e interação onde narrativas autobiográficas, documentais e históricas se justapõem.

No Espaço Projeto do Centro de Arte Moderna (CAM) da Gulbenkian, Standing Here Wondering Which Way To Go abre com mise-en-scène, um curto vídeo feito com filmes antigos adquiridos por Sedira de um projecionista aposentado na Argélia. O título da obra, uma referência às noções de apresentação e performance, convida o público a questionar por que essas imagens deterioradas estão a ser exibidas, ao mesmo tempo em que destaca a sua materialidade. Exibidos na Cinemateca de Argel nas décadas de 1960, 70 e 80, esses retalhos cinematográficos agora apresentam cores altamente saturadas, texturas granuladas e lacunas desconcertantes. Assim, as novas montagens de mise-en-scène podem ser consideradas uma tentativa de Sedira de rearticular um passado imperfeito num presente desafiador. Diante de filmes degradados que representam a negligência e o descaso de governos e mercados, bem como a fragilidade das narrativas de libertação que permearam o período pós-independência na Argélia, a artista conecta imagens que navegam entre o fragmentado e o abstrato, entre o que foi perdido e o que pode ser imaginado. Com uma trilha sonora alegre que nos ajuda a abraçar a vulnerabilidade do passado, mise-en-scène re-ilumina imagens de esperança, e abre espaço para pensarmos o ativismo através do cuidado, da reparação e da incompletude.

 

Um corredor estreito leva-nos à segunda cena da exposição: For a Brief Moment, The World Was On Fire, uma seleção de imagens que celebra a vivacidade do período imediatamente pós-independência na Argélia. Nesta cena, o Festival Pan-Africano de Argel de 1969 assume o protagonismo, e sua multidisciplinaridade é celebrada através do cartaz do famoso documentário, dirigido por William Klein. Uma fotografia da multidão argelina durante o festival, também de Klein, e diversas imagens das performances, tiradas por um fotógrafo desconhecido. No canto da sala, há também algumas fotografias do britânico Jason Oddy, fazendo referência aos edifícios encomendados pelo governo argelino na década de 1960 ao arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer. As escolhas de Sedira demonstram como a cidade de Argel era um pólo de redes e de ações anticoloniais, e como um ambiente cultural florescente e multifacetado foi fundamental para esse processo.

É importante destacar que a instalação também responde ao contexto histórico português ao incluir material “novo” nesta versão de Lisboa. Nesta segunda cena, por exemplo, há imagens documentais do fotógrafo argelino Boubaker Adjali, que mostram alguns momentos de bastidores das lutas pela independência em Angola e Moçambique em 1970. O mesmo corredor também contém uma seleção de livros ativistas publicados na década de 70 em português e um cartaz da FRELIMO feito pelo designer britânico Robin Fior. Essas adições funcionam não apenas como um lembrete de como a escrita da História é um processo de constante reativação, reinterpretação, reconstrução e reapropriação, mas também, e talvez principalmente, de que esse exercício deve sempre engajar-se a fundo com as lutas locais sem perder de vista seus vínculos globais.

A exposição prossegue com suas duas últimas cenas: Way of Life, um diorama em tamanho real da sala de estar de Sedira em Londres, e We Have Come Back, uma seleção de fotomontagens, pequenos objetos e discos de vinil colecionados pela artista ao longo de sua vida. Destacando a intersecção do pessoal e do político, essas duas obras são emblemáticas da convivialidade e da solidariedade necessárias para sustentar a memória crítica e os modos de resistência. Os visitantes são convidados a se inspirar nos filmes, livros, discos e produções culturais que influenciaram a trajetória artística de Sedira; a reservar um momento para relaxarem em seu sofá e refletirem sobre o que os espaços íntimos representam para o ativismo político; e a relembrar as muitas maneiras através das quais figuras do passado imaginaram e praticaram mundos diferentes.

Esse convite à construção da memória coletiva fica particularmente evidente na vídeo-entrevista de 40 minutos exibida em loop na televisão da sala de estar. Quem nos fala é Nadira Laggoune-Aklouche, renomada curadora, crítica de arte e pesquisadora argelina que habilmente entrelaça suas próprias memórias e experiências do PANAF com uma análise contemporânea da política e da cultura. Editada em pequenos segmentos que exploram a trajetória do cinema argelino, os efeitos do otimismo anticolonial, o papel da educação nos cenários políticos atuais e as múltiplas expressões de heranças imateriais, para citar apenas alguns temas, a fala de Laggoune-Aklouche constrói uma bela ponte entre as experiências da vida cotidiana e a complexidade do trabalho da memória. Com este vídeo, Sedira subverte a centralidade dos discursos mediáticos para mostrar que, no cerne de sua casa e prática artística, estão os conhecimentos informais e as narrativas não-oficiais.

O vídeo foi pensado para ser assistido com fones de ouvido, já que uma playlist do cineasta e pesquisador de cultura popular argelino Nabil Djedouani também reverbera na instalação da sala de estar. Isso cria uma conexão invisível com a cena final do outro lado da sala, onde Sedira compartilha outra versão de seu arquivo cultural pessoal em We Have Come Back. Apresentadas contra um fundo amarelo marcante, essas montagens relacionadas à música demonstram o potencial da ludicidade e da criatividade na pesquisa histórica (da arte). Aqui, as perspectivas e posicionamentos de Sedira como arquivista e guardiã de coleções são inegáveis, mas eles não são uma imposição nem ilustram falta de rigor. Em vez disso, as referências conectadas por ela são lembretes dinâmicos do poder do afeto, da curiosidade, da relacionalidade e das experiências de vida, e do fato de que nenhuma obra de arte (ou qualquer forma de produção de conhecimento, aliás) existe de maneira isolada. 

Antes de deixarem a exposição, os visitantes são convidados a levar um jornal consigo - uma lembrança gratuita e acessível que ecoa a energia dos movimentos do tipo “faça você mesmo”. A publicação contém, entre outras coisas, uma entrevista muito eloquente entre a artista e a curadora Rita Fabiana, que contextualiza ainda mais as obras, bem como uma lista de filmes anticoloniais com curadoria de Olivier Hadouchi, exibidos no museu durante o fim de semana de abertura e que ampliam o acervo de referências do projeto. Invocando noções de efemeridade e veracidade, o jornal talvez simboliza as principais contribuições conceituais da exposição: apesar da opressão e dos apagamentos, os modos de resistência e esperança nunca se perdem verdadeiramente — mas cabe a nós, todos juntos, preservá-los por meio da transmissão e consolidá-los como opções válidas no presente.

 

Standing Here Wondering Which Way To Go está em exibição no Centro de Arte Moderna (CAM) Gulbenkian, em Lisboa, até 19 de janeiro de 2026. 10h-18h; sábados, 10h-21h; fechado às terças-feiras. Entrada gratuita.


Vista da exposição ‘Zineb Sedira. Standing Here Wondering Which Way to Go’ © Pedro Jafuno

por Amanda Tavares
Vou lá visitar | 13 Novembro 2025 | Algiers, Zineb Sedira