O Centro de Música Negra da Baía

A cidade de Salvador da Baía, no Brasil, acolherá em outubro de 2011, o Centro de Música Negra, primeira instituição no mundo inteiramente consagrada às músicas oriundas das culturas e diásporas africanas. Porque o blues, o jazz, o rock, o reggae, a bossa nova, a salsa, o hip hop ou o rap, todos eles derivados de ritmos africanos, embora tenham nascido em solo americano, estão hoje em dia presentes nas culturas musicais de todo o mundo, do Alasca ao Japão, do Chile à Escandinávia.

Musicalmente falando, a África conquistou o mundo, e o futuro Centro de Música Negra, que abrirá as portas no final de 2011 na Baía, pretende contar a saga fantástica das músicas africanas e suas derivadas que, hoje em dia, fazem dançar o mundo inteiro! Porque assim como a personagem Jourdain de «La Bourgeois Gentilhome» de Molière, quando falava, fazia prosa sem o saber, também os jovens rockers de Berlim ou de Tóquio, os casais burgueses que dançam a salsa em Montreal ou no Cairo, os apaixonados de jazz em Oslo ou Nova Deli, e os rappers dos subúrbios de Paris ou de Varsóvia, prestam homenagem a músicas provenientes de ritmos africanos, ainda que elas tenham nascido em solo americano. Além disso, nas últimas décadas, vários artistas africanos tornaram-se estrelas mundiais, a exemplo de Cesária Évora, de Uoussou N”Dour ou de Miriam Makeba.

É difícil imaginar que se Bach, Mozart, Vivaldi ou Monteverdi são conhecidos há séculos, nenhum músico africano se tenha tornado célebre antes do século XX! Miles Davis, Louis Armstrong, Youssou N’Dour, James Brown, Compay Segundo, Miriam Makeba, Aretha Franklin, Cesaria Evora, Gilberto Gil, Nina Simone, são hoje celebridades mundiais, e é difícil imaginar que ainda nos anos 30 do século XX, na época em que Billie Holiday e Ella Fitzgerald cantavam, a segregação racial era uma realidade nos Estados Unidos, proibindo aos Negros a entrada em certos clubes de jazz, restaurantes, lojas, autocarros, etc… Mas a África vingou-se porque, hoje, é o mundo inteiro que aprecia todas estas músicas nascidas dos ritmos negros, a maior parte em solo americano, e que são programadas em todas as discotecas e festas de casamento de todo o mundo. Porque na aldeia mais remota da Islândia ou nas ilhas Salomão, no mais miserável bairro de lata de Manila ou no bairro mais pobre de Moscovo, Michael Jackson é mais conhecido que Mozart, Bob Marley mais cantado que Bach, e o rock e o rap estão mais presentes que o minueto ou a gavota!

No Museu do ritmo

Museu do RitmoMuseu do Ritmo

O futuro Centro de Música Negra foi iniciado e realizado por Mondomix, a revista francesa e o sítio da internet consagrado às músicas do mundo, e apoiado pelo Ministério brasileiro da cultura e por Cultures France, órgão da cooperação cultural francesa no estrangeiro. Ficará alojado no Museu do Ritmo (o antigo mercado do ouro na Baía), um lugar cultural dedicado à música e criado pelo músico brasileiro Carlinhos Brown, artista baiano. O arquiteto será o brasileiro Pedro Mendes da Rocha, o edifício ocupará 1000 metros quadrados e deverá atrair 50000 visitantes por ano.

« A ideia deste centro nasceu em Liverpool, quando a Mondomix foi escolhida para executar o pavilhão da música do Museu Internacional da Escravatura, que abriu em 2007», conta Marc Benaïche, diretor da Mondomix e iniciador do projeto. «Trabalhei três anos neste projeto e fui convidado para dar uma conferência na Universidade da Baía. E, ao descobrir esta cidade, eu disse para mim mesmo que era ali que devia ser criado um centro de música negra. Era preciso contar a aventura mundial da música negra, a mais bela aventura musical deste século!»

O museu será um espaço multimédia, que recorrerá às mais modernas tecnologias - nas quais Mondomix, no que se refere à música, é especialista : vídeos de concerto, entrevistas filmadas, audição de música a pedido, biografias de artistas, investigação de temas… O percurso será dividido em cinco grandes temas: «Os monumentos sagrados» da música negra (as estrelas mundiais); «Mama áfrica», consagrado às músicas tradicionais de África; «a NEF, expressão musical da terrível odisseia dos escravos»; «As Américas negras», « O Mix global, as músicas negras são planetárias».

Uma equipa de peritos

Uma primeira demonstração do conceito do Centro de Música Negra será dada em Dakar, em dezembro de 2010 por ocasião do 3º Festival Mundial de Artes Negras (FESMAN), que terá lugar de 10 a 31 de dezembro. «O objetivo deste festival é mostrar o contributo da África para cada disciplina artística. No que diz respeito à música, tratar-se-á de mostrar de que modo a África conseguiu influenciar os diferentes tipos de música no mundo», explica Syndiély Wade, conselheira da Presidência do Senegal para o FESMAN. Uma exposição multimédia, que ocupará 600 metros quadrados no Centro Cultural Douta Seck, permitirá saborear antecipadamente um pouco do que será o futuro Centro de Música Negra da Baía. E esta exposição foi concebida à partida como o núcleo central do FESMAN, que realçará também outras formas artísticas para além da música: artes plásticas, cinema, teatro, moda, artesanato de arte, etc…

Foi mobilizada uma grande equipa de peritos, especialistas em músicas do mundo e particularmente negras, para este projeto da Baía: Rémy Kolpa-Kopoul, jornalista musical da Radio Nova, rádio especializada em música do mundo em França; François Bensignor, responsável pelo IRMA - Instituto de investigação e informação sobre músicas actuais; Benjamin Minimum, chefe de redação da revista Mondomix ; David Brun-Lambert, jornalista musical ; Valérie Thfoin, responsável pela Cultures France, etc. “A música negra é um bem da humanidade, não apenas de um grupo restrito ”, explica o músico Carlinhos Brown, que encontrámos em Paris. Por isso, o Brasil, que é o país mais mestiço do mundo, vai naturalmente acolher o Centro de Música Negra, a música em processo de mestiçagem…todas as músicas do mundo!

 

Artigo publicado originalmente em AFRIK.COM

Translation:  Maria José Cartaxo

por Nadia Khouri-Dagher
Palcos | 28 Março 2012 | música brasileira