Poemas de Alda Espírito Santo
Angolares
Canoa frágil, à beira da praia,
panos preso na cintura,
uma vela a flutuar…
Caleima, mar em fora
canoa flutuando por sobre as procelas das águas,
lá vai o barquinho da fome.
Rostos duros de angolares
na luta com o gandu
por sobre a procela das ondas
remando, remando
no mar dos tubarões
p’la fome de cada dia.
Lá longe, na praia,
na orla dos coqueiros
quissandas em fila,
abrigando cubatas,
izaquente cozido
em panela de barro.
Hoje, amanhã e todos os dias
espreita a canoa andantepor sobre a procela das águas.
A canoa é vida
a praia é extensa
areal, areal sem fim.
Nas canoas amarradas
aos coqueiros da praia.
O mar é vida.
P’ra além as terras do cacau
nada dizem ao angolar
“Terras tem seu dono”.
E o angolar na faina do mar,
tem a orla da praia
as cubatas de quissandas4
as gibas pestilentas
mas não tem terras.
P’ra ele, a luta das ondas,
a luta com o gandu,
as canoas balouçando no mar
e a orla imensa da praia.
(É nosso o solo sagrado da terra)
Lá no “Água Grande”
Lá no “Água Grande” a caminho da roça
negritas batem que batem co’a roupa na pedra.
Batem e cantam modinhas da terra.
Cantam e riem em riso de mofa
histórias contadas, arrastadas pelo vento.
Riem alto de rijo, com a roupa na pedra
e põem de branco a roupa lavada.
As crianças brincam e a água canta.
Brincam na água felizes…
Velam no capim um negrito pequenino.
E os gemidos cantados das negritas lá do rio
ficam mudos lá na hora do regresso…
Jazem quedos no regresso para a roça.
Para lá da praia
Baía morena da nossa terra
vem beijar os pézinhos agrestes
das nossas praias sedentas,
e canta, baía minha
os ventres inchados
da minha infância,
sonhos meus, ardentes
da minha gente pequena
lançada na areia
da Praia Gamboa morena
gemendo na areia
da Praia Gamboa.
Canta, criança minha
teu sonho gritante
na areia distante
da praia morena.
Teu teto de andala
à berma da praia.
Teu ninho deserto
em dias de feira.
Mamã tua, menino
na luta da vida
gamã pixi à cabeça
na faina do dia
maninho pequeno, no dorso ambulante
e tu, sonho meu, na areia morena
camisa rasgada,
no lote da vida,
na longa espera, duma perna inchada
Mamã caminhando p’ra venda do peixe
e tu, na canoa das águas marinhas …
— Ai peixe à tardinha
na minha baía…
Mamã minha serena
na venda do peixe.
Ilha Nua
Coqueiros e palmares da Terra Natal
Mar azul das ilhas perdidas na conjuntura dos séculos
Vegetação densa no horizonte imenso dos nossos sonhos.
Verdura, oceano, calor tropical
Gritando a sede imensa do salgado mar
No deserto paradoxal das praias humanas
Sedentas de espaço e devida
Nos cantos amargos do ossobô
Anunciando o cair das chuvas
Varrendo de rijo a terra calcinada
Saturada do calor ardente
Mas faminta da irradiação humana
Ilhas paradoxais do Sul do Sará
Os desertos humanos clamam
Na floresta virgem
Dos teus destinos sem planuras…
Fotografias de Marta Lança