Os ventos que sopram na economia mundial

UMA PERSPECTIVA POSSÍVEL sobre as diferentes tendências em curso na economia mundial é a comparação das recentes reuniões do Fórum Económico Mundial em Davos, na Suíça, e do Fórum Social Mundial em Dacar, no Senegal.

As duas assembleias de numerosos participantes são representativas, por um lado, dos interesses dominantes nessa economia (o fórum «económico», puro e duro) e, por outro lado, dos interesses que duma forma ou outra procuram opor-se àqueles (o fórum «social»). Claro que o primeiro é muito mais preciso e convergente nas suas análises do que o segundo. Estar «a favor do vento» é posição mais simples e cómoda do que a posição oposta, que aliás pode manifestar-se muitas variadas formas, ao contrário de simplesmente se deixar ir na corrente. Neste caso, mostrando-se maior ou menor elegância na prática do surf, cavalgando grandes ondas, por vezes parecendo perder o equilíbrio, mas finalmente recuperando o seu destino.  

Como seria de esperar, o fórum económico identifica-se com a globalização em curso, enquanto o fórum social procura «outra» globalização. Que, portanto, se define pela negativa em vez da afirmativa.

Pois é muito mais fácil reunir multidões protestando contra as injustiças, do que unir essas vítimas na construção prática de alternativas.

Imagine o leitor a multidão dos actores ignorados e desprezados da chamada economia informal, que predomina em muitos países da África, da América Latina ou da grande parte da Ásia.Rabideiras, Cabo Verde

Como, por exemplo, as mulheres rabidantes da Praia ou de Santa Catarina, em Cabo Verde ou as candongueiras de São Tomé. Certamente não estarão representadas no Fórum Económico Mundial, mas poderão aparecer na assembleia de Dacar se (digamos) receberem subsídio apropriado da ONU. Contudo, mesmo assim, não teriam seguramente posições idênticas a defender: as santomenses são, ou foram, apenas submissas aos machos que se servem delas para fazer filhos de que não reconhecem sequer a paternidade, enquanto as cabo-verdianas podem tornar-se chefes de família e verdadeiras empresárias integradas no comércio transnacional.

Ou seja: o mundo visto de baixo é infinitamente mais complexo e diversificado do que o mundo visto de cima. O Fórum Económico Mundial tem essa característica essencial, vê «de cima» e confortável, enquanto o Fórum Social tenta, ao menos, abrir espaços de leitura do mundo para os que estão «por baixo», e com questões básicas de sobrevivência por resolver.

Consideremos então o mundo confortável que se encontrou na Suíça. Que há de mais relevante no seu olhar, depois da recente grande crise do sistema da economia mundial?

Reconhece-se recuperação na dinâmica desse sistema. Aparentemente, o sistema avariou-se algum tempo mas voltou a funcionar. Agora é necessário e urgente detectar as causas dessa «avaria» e pôr em prática as medidas necessárias para repará-la e evitar a sua repetição.

O que, na prática, coloca no centro dos debates a problemática da governação global. Não basta «confiar nos mercados»; é necessário saber regulá-los, o que não é fácil nem pacífico.   

A questão, aliás, põe-se hoje agudamente à escala da própria União Europeia, onde o eixo França-Alemanha procura impor as regras do jogo, mesmo, se necessário, com sacrifício dos pobres «leitões» (os pequenos PIGS) da periferia europeia, ou seja, a Irlanda, Portugal e a Grécia. De qualquer maneira, estamos ainda longe dum sistema consolidado e consensual, nos meios e nos fins, de governação à escala europeia.

No âmbito mais global surge então com urgência a consagração formal do chamado G20 (em lugar do moribundo G8) bem como das correspondentes competências.

O que além do mais coloca a difícil questão do enquadramento dos chamados países emergentes, entre eles, China, Índia e Brasil.

Neste último caso, note-se, que o PT do ex-Presidente Lula teve papel decisivo na criação do Fórum Social Mundial e continua bem presente no encontro de Dacar. Onde até o Partido Comunista Português se encontra representado, bem como as grandes centrais sindicais europeias com visões do mundo bem distintas da CGTP de Carvalho da Silva.

O mundo «visto de baixo», ou visto pelos que pretendem falar em nome dos que moram nos andares de baixo, repito, é infinitamente mais complexo do que «visto de cima».  

Embora por vezes, como o grande circo da história humana nos ensina, inesperadas piruetas permitam a actores que estavam despercebidos na parte baixa da cena passar para a de cima e vice-versa.

Artigo originalmente publicado no nº 50, edição de Março, do Africa 21

por Mário Murteira
Mukanda | 7 Abril 2011 | economia, forum economico, Fórum Social Mundial, globalizaçãp