Retrato de Família

Ana Silva borda e desenha fios, tece elos sensíveis e invisíveis entre a sua história pessoal e outra mais universal. Quando questionada sobre a razão da sua escolha desta técnica para se expressar, ela responde:

“Este aspeto é indissociável da minha experiência em Angola, numa altura em que o material era escasso, dificultando o acesso. Houve a guerra colonial e logo se seguiram anos de guerra civil… Expressei a minha criatividade explorando o que existia à minha volta. Esta experiência influenciou o meu trabalho e a minha vida.”

Não existem, ou existem muito poucos, homens nas suas pinturas. A estética de Ana Silva é uma história delicadamente sugerida por detrás dos laços e das redes nos quais as figuras femininas se revelam. Um dos temas recorrentes na obra da artista é o da transmissão entre uma avó, uma mãe e a filha. 

A arte de tecer está impregnada de figuras femininas, dos seus saberes e olhares. A série Retrato de Família explora o arquipélago de delicadezas no qual a artista relembra a ligação entre as mulheres, mulheres fortes que carregam nos braços a sociedade angolana.

O espectador entrega-se à poesia desses fios fluídos, à subtileza da linguagem esfarrapada. Nos seus passeios, Ana Silva procura os materiais nos mercados de Luanda. Ela altera o uso inicial de sacos de plástico ou outros tecidos nos quais realiza um verdadeiro trabalho de memória. Com as suas diversas técnicas (pintura, desenho, colagem, oxidação do metal), preserva a costura e associa o bordado às cores e tecidos africanos. Retrato de Família é uma história pessoal que Ana Silva optou por nos contar, a da sua avó e da sua querida filha.

“Essas obras expressam a passagem da vida da minha avó para a minha filha. Tinha em mente este projeto há muito tempo. A minha filha nasceu em Portugal de dois pais mestiços, metade portugueses, metade angolanos. Veio para Angola pela primeira vez com três anos de idade. Foi lá que conheceu a minha avó. No começo tinha medo dela, mas com a convivência, passaram a conhecer-se e a gostar uma da outra. Era importante para mim que elas se conhecessem. A minha avó é descendente de bosquímanos (os koishan), o povo mais antigo do sul de África. Morreu cinco meses depois de conhecer a minha filha. Foi a partir desse momento que comecei a desejar trabalhar a história da transmissão intergeracional. Para tal, tirei fotografias da minha família, de nós, dos filhos, do funeral da minha avó. O luto, a festa, as fotos dos amigos. A transmissão da vida da minha avó para outras gerações. Todas as peças desta série são bordadas. Bordar representa para mim a construção, a passagem entre gerações. É uma coisa que sempre tivemos em casa, veio de Portugal. Comprei muitos bordados e rendas em lojas de segunda mão, dos anos 60/70, montei-os e fiz uma história. Esse gesto representa vários sentimentos que se entrelaçam nas minhas obras”.

MAGNIN-A