Mangueira de Luz | Mangueira-Memória

Chegámos a este filme por caminhos distintos. Uns, pela rota das colaborações fortuitas, outros na senda de amizades de anos-décadas ou de colaborações continuadas. Todos emparelhados por um momento em que a nossa amiga Sams (Samira Pereira) – produtora cabo-verdiana – nos terá dito: “uni-vos e criai”. 

Quanto a mim, aterrei no #4 Mangifera da realizadora Flávia Gusmão como amigo enlutado, em busca de um fecho da cortina; como colaborador e co-conspirador da Sams; como um dos “marides” dela (assim nos chamávamos desde um projecto intenso nos loucos meses do primeiro confinamento). Cheguei com um olho de cineasta e outro de jornalista. Como produtor de circunstância, apoiando a realizadora que conhecia mal, no que sabia à partida ser um filme mastodóntico, quer pelas características formais e pela gramática visual, quer pelo peso do seu cunho pessoal, íntimo – com o desgaste que lhe conheço. 

Cheguei ainda a preto e branco, depois de um ano processando a perda. Em cena, o meu luto a preto e branco (menos luto, mais estado de alma) foi sendo substituído pelas cores do luto da Flávia –o encarnado, o azul, o amarelo, o lilás, o verde. Muitas cores. O luto é um processo diferente para todos. E a Flávia via-lo a cores. Investi-me no projecto e também no processo. Como o making-of de um filme, o luto é um processo. E nos processos aprendemos sempre uns com os outros. 

Perdi os ensaios devido à Covid e ao inédito caos aeroportuário do estio. Caí de pára-quedas em cena no primeiro dia de filmagens. Descontextualizado, cansado, insider-outsider a preto e branco, oscilando, procurando entender mil dinâmicas em simultâneo. Por detrás da câmara da Flávia, fui filmando, fotografando, nas cores dela, e as minhas cores. Momentos perdidos. Momentos memória.

Neste conjunto de 21 fotos (vinte-e-uma, como o dia em que a Sams nos deixou), tirei o pulso ao processo dos outros, à memória, à vida, ao riso. Um behind-the-scenes que acabou por se tornar também parte do filme, a cores. Nestas 21 fotos, contudo, fica assim, a preto e branco – como eu o vi. 

#4 Mangifera de Flávia Gusmão estreia na RTP 2 e RTP Play dia 16 de Outubro de 2022.