Fragmentos de uma nova história

 

A obra de Zanele Muholi é, segundo as suas próprias palavras, um trabalho de “activismo visual”. Todo o seu empenho e luta, de carácter profundamente político, consiste em dar visibilidade à comunidade negra de lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e intersexuais. Muholi  sente-se emocionalmente ligada a esta comunidade à qual pertence e pela qual luta e revê a sua própria construção identitária, conseguindo, através das suas imagens, romper com alguns estereótipos e ideias fixas que perduram, não só no nosso imaginário ocidental, como no seu país, a jovem democracia sul-africana, bem como no continente africano em geral.
As imagens de Muholi mostram-nos que a comunidade LGBTI retratada é composta por uma multiplicidade de identidades. Coloca em primeiro plano uma série de seres humanos que participam na vida política, económica e social dos seus respectivos países: vivem, existem, mas nem por isso, como denuncia Muholi, fazem parte da história oficial. Esta é uma das maiores batalhas da fotógrafa: desafiar a hegemonia existente rescrevendo uma história visual que se encontra dominada por uma visão etnocêntrica  e patriarcal, e que continua a articular-se através de um pensamento heteromasculino etiquetando as lésbicas negras como as “outras”.
Muholi faz da fotografia um estímulo, um acto de militância que alerta para a tripla exclusão que as lésbicas negras na África do Sul suportam, forçadas a lutar contra o racismo, o sexismo e o patriarcado. Muholi denuncia, mas sobretudo - e aí reside a força das suas fotografias - não coloca estas mulheres no papel de vítimas, pelo contrário, apresenta cada uma delas como sujeitos plenos, permitindo em última análise construir uma nova história visual da África do Sul e da África contemporâneas.
O seu trabalho de registo, ao recompilar a história destas mulheres e rescrevendo as suas próprias experiências, não se compõe unicamente das suas lutas empenhadas, da sua coragem quotidiana, dos seus sofrimentos, das suas perdas, das suas mutilações internas e externas, mas também e fundamentalmente do amor presente em cada uma delas. A obra de Muholi transborda de sensibilidade, intimidade e sentimento, mas é sobretudo prenunciadora. Desta forma abre-nos a sua vida - as suas vidas - partilha connosco os seus momentos de felicidade e de cumplicidade, engrandecendo as relações destas mulheres e, principalmente, multiplicando os fragmentos de uma história que se escreve diariamente.

texto exposição “Fragmentos de uma nova história”, Zanele Muholi, comissariada por Sandra Maunac e Mónica Santos, Casa África, Las Palmas de Grand Canaria, 2011/12.

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