Panafricanismo e comunismo: conversa com Hakim Adi

A par da história dominante dos partidos comunistas europeus, centrada na classe operária metropolitana, é possível reconstituir a trajetória subterrânea destes militantes comunistas e panafricanos, minoritários nos seus partidos, mas ativamente apoiados por Moscovo no intervalo entre as duas guerras. Trata-se de uma época em que os jovens partidos comunistas são dominados por Brancos, metropolitanos, ou por colonos nas colónias. Para combater o oportunismo, o chauvinismo implícito ou explícito desses militantes, a Internacional comunista procedeu à estruturação de uma série de organizações transnacionais, encarregadas de coordenar a atividade revolucionária em torno da «questão negra»: África do Sul, colónias da África negra, segregação nos Estados Unidos, etc. Hakim Adi conta agora esta história inédita, a de um encontro original entre o comunismo, o nacionalismo negro e o panafricanismo.

Como definiria o panafricanismo?

Podemos considerar o panafricanismo simultaneamente como uma ideologia e como um movimento nascido das lutas comuns dos afrodescendentes, tanto em África como na diáspora africana, contra a escravatura, o colonialismo e também contra o racismo anti-Africanos e as diversas formas de eurocentrismos que os acompanham. Os termos « panafricano » e « panafricanismo » não surgiram antes de finais do século 19 e princípios do século 20, mas havia já uma forma embrionária de panafricanismo no século 18 nas organizações abolocionistas tais como as British-based Sons of Africa, dirigidas por antigos escravos africanos como Olaudah Equiano e Ottobah Cugoano que reconheciam a necessidade que os Africanos sentiam de se unir para defender interesses comuns.

O panafricanismo assumiu diferentes formas em diferentes épocas, mas a sua característica chave é o reconhecimento de que os Africanos, tanto os do continente como os da diáspora, pelo facto de terem de enfrentar formas comuns de opressão, são implicados numa luta comum de libertação e partilham, por isso, um destino comum. O panafricanismo reconhece, assim, a necessidade da unidade dos Africanos para se libertaren, mas também o desejo de unidade do continente africano. Defende em geral a ideia de que os Africanos da diáspora partilham uma origem comum com os do continente e reconhece que seja concedido aos da diáspora o direito de regressar à sua pátria.

Em Pan-Africanism and Communism, eu não me interessei particularmente pela época em que o movimento panafricano era dirigido por pessoas como Garvey ou Du Bois. Para o Comintern, este tipo de panafricanismo era visto de forma crítica, como essencialmente reformista e incapaz de levar à libertação africana. Não obstante, o Comintern, sob a influência dos comunistas negros, adotou outras formas do panafricanismo, nomeadamente a ideia de que os Africanos partilhavam formas comuns de opressão e estavam implicados numa luta comum. Também defendia a ideia dos Estados Unidos Socialistas de África. Há que relembrar ainda que, no período entre as duas guerras, alguns líderes panafricanos eram, tal como George Padmore, também membros da Internacional comunista.

Em que medida a revolução de Outubro de 1917 teve impacto em África e na diáspora africana? Por que razão a revolução russa teve tanta influência no Egito e na África do Sul?

A revolução de Outubro foi provavelmente o acontecimento político mais marcante do século 20, demonstrando não apenas a possibilidade dos operários se sublevarem com uma revolução, mas também a sua capacidade para tomarem o poder (to empower themselves), estabelecendo e mantendo uma nova forma de poder estatal. A revolução russa também libertou a Rússia da guerra mundial imperialista, revelou tratados secretos das grandes potências e as relações entre colonialismo, imperialismo e guerra. Ela demonstrou que, mesmo os que vivem numa sociedade relativamente atrasada podem emancipar-se. Dado que esta revolução abalou o mundo e destruiu a ordem estabelecida centrada no capital, ela não podia deixar de ter um impacto profundo sobre todos os oprimidos, particularmente naqueles que reconheciam que a sua opressão era produto da ordem social existente. Havia, por conseguinte, a esperança de que o bolchevismo se estendesse e que a ordem estabelecida fosse destruída em qualquer lugar no mundo. O apoio a uma mudança revolucionária era o mais evidente entre as secções dos radicais Africanos-Americanos como o African Blood Brotherhood, mas é evidente que a revolução russa suscitou a esperança em muitos, nomeadamente nos que tinham combatido durante a guerra, como Lamine Senghor em França. Aos oprimidos da ordem colonial europeia, a revolução russa também abriu novas perspetivas, uma vez que o império russo incluía nações e nacionalidades oprimidas que podiam, doravante, libertar-se por si próprias. A ausência de opressão no que viria a ser a União Soviética provocou uma impressão muito forte em muitos visitantes, inclusivamente nos Africanos-Americanos Langston Hughes et W.E.B. Du Bois. Após a sua visita à União Soviética, este último declarou em 1926 « se é isto o bolchevismo, então eu sou bolchevique».

No continente africano, a revolução de Outubro teve uma influência significativa, nomeadamente onde o movimento anticolonial ou a classe operária estavam mais desenvolvidos. No Egito, o movimento anticolonial e os movimentos operários atingiram um novo patamar depois dos acontecimentos revolucionários de 1919. A revolução de Outubro teve uma influência significativa naqueles que criaram as condições para a fundação do partido socialista egipcio em 1921, que se tornou o partido comunista em 1922. Na África do Sul, tal como no Egito, os operários estrangeiros desempenharam um papel chave ao introduzirem o marxismo e as primeiras organizações socialistas eram maioritariamente compostas por Europeus. Não obstante, a força e o militantismo dos operários africanos criaram condições para a fundação de organizações revolucionárias que incluíram todos os operários como a International Socialist League, fundada em 1915, e a Industrial Workers of Africa. A revolução de Outubro teve, assim, um impacto significativo naqueles que, entre os operários sulafricanos, já se organizavam e levou à fundação do partido comunista da África do Sul em 1921.

Qual foi o papel de Lenine no debate sobre a «questão negra» na Internacional Comunista?

Nos Estados Unidos, a opressão particular a que os afrodescendentes deviam fazer face e a maneira como eles poderiam libertar-se desta opressão entrou para a posteridade como a «questão negra» Não é inócuo que este termo seja igualmente adotado pelo Comintern, não apenas por se referir à libertação dos Africanos Americanos, mas também pela sua ligação à questão da opressão dos Africanos na África do Sul assim como à opressão colonial dos Africanos no continente africano e na diáspora, inclusivamente em países como a França e a Grã- Bretanha. O Comintern começou, pois, a ver esta « questão » numa perspetiva panafricana, ou seja, se os Africanos tinham que enfrentar problemas comuns, estavam implicados numa luta comum, como se os seus destinos estivessem de certa forma ligados. O Comintern conservou esta abordagem, com algumas reservas, até ao seu VII congresso, em 1935.

Lenine iniciou a discussão sobre a questão negra nos Estados Unidos no II congresso do Comintern, em 1920, como fazendo parte integrante de um interesse global para todas as nações e colónias oprimidas no mundo e em ligação com o seu «Primeiro esboço sobre as questões nacionais e coloniais». Tratava-se de saber como é que os partidos comunistas iam ajudar e apoiar aqueles que lutavam contra a ordem colonial e a opressão nacional, dado que Lenine e outros defendiam uma luta unitária entre os operários dos países capitalistas mais desenvolvidos e os povos oprimidos, contra o seu inimigo comum: o imperialismo. A análise que Lenine fazia do imperialismo bem como a experiência da revolução de Outubro mostraram que uma rutura revolucionária do sistema imperialista não era possível apenas nos países capitalistas avançados da Europa, mas em qualquer parte onde as correntes do imperialismo estivessem mais fracas. Estas análises, bem como o interesse de Lenine pela «questão negra na América» significavam que, pela primeira vez, os comunistas entendiam as lutas dos oprimidos de maneira global e a necessidade de as organizar como qualquer uma tão importante como as lutas da classe operária nos países economicamente mais desenvolvidos.

 Podias desenvolver as críticas formuladas contra os partidos comunistas francês e britânico durante o V Congresso do Comintern (junho de 1924)?

Para que um partido fosse reconhecido enquanto tal e integrasse a Internacional Comunista, devia aceitar 21 condições. Uma das condições proclamava:

(…) os Partidos de países cuja burguesia possui colónias ou oprime nações devem ter uma linha de conduta particularmente clara e nítida. Qualquer Partido que pertença à III Internacional tem como dever revelar impiedosamente as proeza dos «seus» imperialistas nas colónias, de apoiar, não por palavras mas efetivamente, qualquer movimento de emancipação nas colónias, de exigir a expulsão das colónias dos imperialistas da metrópole, de alimentar no coração dos trabalhadores do país sentimentos verdadeiramente fraternos para com a população trabalhadora das colónias e das nacionalidades oprimidas e cultivar entre os grupos trabalhadores da metrópole uma agitação contínua contra qualquer opressão dos povos coloniais.

Por outras palavras, os partidos comunistas europeus tinham também a responsabilidade de se implicar nas atividades anticoloniais. Além disso, havia uma responsabilidade particular quanto à implicação na questão negra, dado que ela tinha a ver com a África e as Caraibas e na agitação nas pessoas de origem africana e caribenha nas metrópoles como a Grã-Bretanha e a França. Nessa época, a Internacional Comunista tentava igualmente organizar um «Congresso negro mundial» e esperava que os partidos britânicos e franceses assumissem também a sua parte de responsabilidades. Contudo, estes partidos eram relativamente novos e inexperientes e tinham poucos laços com as colónias ou com as populações de origem colonial que viviam na Europa. Eles também tinham outras prioridades e problemas. Por isso, estes partidos eram objeto de críticas quer por parte do Comintern quer pelas suas próprias fileiras, nomeadamente pela sua reticência em pedir o fim da ordem colonial, o que mostrava que, mesmo os comunistas podiam ser influenciados pelo chauvinismo e pelo racismo produzidos pelo imperialismo. Em certos aspetos, poder-se-ia dizer que o PCF era, apesar de tudo, mais bem organizado que o seu homólogo britânico, visto que tinha posto em ação a União InterColonial, que organizava militantes de África, das Caraibas e da Indochina e que tinha o seu próprio comité de estudos coloniais. Enviou também delegados das suas colónias, como Ho Chi Minh, ao V congresso da Internacional Comunista. Não obstante, isso não salvou o PCF das críticas, nomeadamente da parte destes mesmos delegados ou de outros, que notavam que a questão negra nem sequer tinha sido discutida no congresso do partido.

Podias voltar à implementção da International Trade Union Committee of Negro Workers (ITUCNW) ?

Em que medida a criação desta organização estava ligada à incapacidade dos «partidos comunistas ocidentais de fazerem convenientemente face à questão negra» William L. Patterson, citado no teu livro Pan-africanism and Communism, p. 43-44) ? No teu texto «The Comintern and Black Workers in Britain and France 1919-37 »(em Caroline Bressey et Hakim Adi (dir.) Belonging in Europe – The African Diaspora and Work), tu escreves que até «à sua dissolução em 1937 a ITUCNW se queixava constantemente da falta de apoio e de trabalho dos partidos comunistas europeus, sugerindo que se podia fazer muito mais». Podias explicar este ponto?

O Comintern criou também uma Internacional Sindical Vermelha (ISR— Internationale Syndicale Rouge ou Profintern), que era essencialmente uma organização sindical destinada a fornecer uma alternativa revolucionária e a combater a influência da federação sindical internacional que, nessa altura, estava sob a direção política da Internacional socialista (a II Internacional). A ISR também se preocupava com a questão negra, particularmente com a forma de organizar os operários em países como os Estados Unidos, a África do Sul, mas também a Grã- Bretanha, a França e as suas colónias. A este respeito, a ISR era igualmente muito crítica relativamente à inatividade que ela via nos partidos comunistas que demoravam a pôr-se ao trabalho. Isso por um certo número de razões, incluindo a atividade faccional nos partidos americanos e franceses e por uma má orientação política na áfrica do Sul e na Grã-Bretanha. Essas críticas amplificavam-se e eram particularmente evidentes nos comunistas Africanos-Americanos. Foi neste contexto que se decidiu, em 1928, fundar a International Trade Union Committee of Negro Workers (ITUCNW), destinada a ajudar os partidos comunistas a assumirem as suas responsabilidades sobre a questão negra. A ITUCNW era dirigida pelo comunista Africano-Americano James Ford e existiu até 1937. Esta organização foi criada para trabalhar com os partidos comunistas, sob a direção do ISR e da Internacional comunista, mas tinha muito poucos recursos próprios, isto é, a sua tomada de decisão repousava em indivíduos, um fator que dificultava o seu trabalho e que limitava a sua influência. Ela organizou uma conferência internacional em 1930, publicava regularmente um buletim em francês e em inglês e estabeleceu laços com operários em África, nas Caraibas e na Europa. No entanto, dado que a organização tinha a base na Europa, as suas atividades eram limitadas quer por falta de pessoal e de recursos quer por causa da atividade, que ficava limitada, dos grandes partidos comunistas europeus, nomeadamente os de França e da Grã-Bretanha, mas também da Bélgica e da Holanda que não conseguiam organizar de forma eficaz nas colónias que não tinham bastantes europeus no seu seio.

Lamine Senghor no congresso da Liga contra o imperialismo e a opressão colonial, Bruxelas, fevereiro de 1927.Lamine Senghor no congresso da Liga contra o imperialismo e a opressão colonial, Bruxelas, fevereiro de 1927.

 

Quem era James La Guma? Qual foi o seu papel na luta contra o racismo na África do Sul? O que é a « Native Republic Thesis » e porque é que o partido comunista da África do Sul se opôs a ele?

James La Guma (1894-1961) era um comunista sulafricano e o pai do escritor sulafricano, comunista e membro do ANC, Alex la Guma. Oriundo de uma família originária do Madagáscar e de França, James era um dinamizador operário, um dos primeiros líderes da Industrial and Commercial Worker’s Union  e um membro do ANC. La Guma juntou-se ao Partido Comunista da África do Sul (CPSA) em 1925 e foi escolhido como delegado na altura do congresso fundador da liga contra o imperialismo que teve lugar em Bruxelas em 1927. No seguimento deste importante acontecimento, La Guma viajou pela Alemanha e pela União Soviética onde lhe pediram que fizesse um relatório sobre o CPSA. Nessa época, o CPSA lutava para se africanisar e para se afastar das suas origens de organização composta essencialmente por operários europeus. Também se debatia a orientação política, sobre a qual havia também algumas confusões, assim como o modo de lutar contra as divisões pré-existentes entre os operários brancos e pretos no seio do movimento operário mais alargado. Tomando por base o relatório de La Guma e outras informações, o Comintern interveio nestas discussões. Este declarou que o CPSA devia tornar-se um partido maioritariamente africano com uma direção maioritariamente negra e que devia organizar-se em torno do objetivo por uma república independente, por outras palavras, que a luta principal era orientada para independência nacional, para que a maior parte dos Africanos pudesse emancipar-se e que os operários brancos deviam implicar-se nesta luta que seria percursora de uma luta qualquer pelo socialismo. Esta orientação anti-imperialista era defendida por La Guma, mas inicialmente a maioria dos membros do CPSA, que pensava que a luta pelo socialismo e o papel da classe operária branca devia ser a chave, opunha-se a isso. A posição do Comintern era muito diferente, colocando o acento na natureza anti-imerialista da luta e mostrando que a maior parte dos que viviam na África do Sul não eram operários nem brancos. É evidente que La Guma desempenhou um papel chave durante este período e o CPSA acabou por aceitar a orientação política que decorria dos debates com o Comintern.

De que forma o Partido Comunista dos Estados Unidos — e nomeadamente os comunistas Americanos-Africanos — apreendia o Universal Negro Improvement Association (UNIA) de Marcus Garvey ?

A UNIA foi fundada inicialmente em 1914, na Jamaica, e depois re-fundada em Nova Iorque em 1916. Foi uma época de renascença política e cultural africana-americana que também levou à criação de outras rganizações como African Blood Brotherhood  e que culminou naquilo que ficou conhecido para a posteridade como a Harlem Renaissance, uma influência maior em África e na diáspora, designadamente nos primeiros anos da negritude e nos movimentos internacionalistas negros em França. A UNIA desenvolveu um programa para a África e a diáspora que exigia o fim das discriminações e da segregação, assim como a autodeterminação. Esta organização promovia o orgulho racial, sobretudo o orgulho da África e da sua história, numa época de racismo antiafricano e de eurocentrismo virulentos. A reivindicção mais célebre de Garvey é «a África para os Africanos no nosso território e fora», um slogan que testemunhava um apoio forte ao projeto do regresso a África, defendido por certos membros da diáspora. Resumindo, a UNIA inicialmente tinha ums orientação anticolonial e opunha-se inclusivamente à Sociedade das Nações. Afirmava ter 4 milhões de membros no início dos anos 1920 e publicações que influenciavam certamente milhões de pessoas em África, na América do Norte, na Europa e noutros lados. Geralmente, a UNIA é reconhecida como a maior organização panafricana que já existiu. Alguns comunistas e organizações Africanos-Americanos, como African Blood Brotherhood (ABB), mantinham ligações estreitas com a UNIA e reconheciam que ela incluia indivíduos progressistas com os quais podiam cooperar. Embora Garvey tenha reconhecido a importância de Lenine e tenha saudado a fundação da União Soviética, continuava hostil ao comunismo e os esforços da ABB e dos comunistas americanos para trabalharem com a UNIA saldaram-se globalmete por um fracasso. O Partido Comunista propôs o seu apoio quando Garvey foi preso por falsas acusações de fraude postal mas, como o seu programa se tornou muito menos progressista nos anos de 1920, o Comintern considerava Garvey e a UNIA como «dirigentes traidores»(misleaders) das massas africanas-americanas e outras, procurando distraí-las das lutas mais eficazes para trazerem a libertação. No entanto, reconhecia-se que certos elementos africanos-americanos do nacionalismo eram importantes. A ideia de um certo tipo de nação africana-americana, que tinha o direito de se autodeterminar continuava a ser uma componente importante da política comunista nos Estados Unidos e fomava um elemento chave daquilo que se designava a « tese da Black Belt » que se interessava pelos direitos da maioria africana-americana da população dos Estados Unidos do sul, defendida sobretudo por Harry Haywoode adotada pelo Comintern nas anos 1930.

Como se explica que o «chauvinismo branco» fosse tão forte no partido comunista cubano (PCC) nos anos 1930 quando 90% da população era afrocubana? Quais eram as especificidades do PCC no que respeitava a luta contra o racismo? 

O termo «chauvinismo branco» era utilizado pelo Comintern para descrever as atitudes renitentes à procura de soluções para a «questão negra» ou que não a enfrentavam vigorosamente. Tratava-se, pois, de um termo genérico usado para cobrir uma imensidão de atitudes criticáveis não apenas no PCC, mas também noutros Partidos Comunistas. Inicialmente, a situação em Cuba era a mesma que na África do Sul, havia apenas poucos Afrocubanos no PCC e, por isso, as medidas eram tomadas para remediar a situação, para levantar a questão dos tipos de opressão que os Afrocubanos deviam enfrentar, como é que essas questões estavam ligadas à luta de classes em Cuba e à luta anti-imperialista contra o domínio dos Estados Unidos. A percentagem de 90%, de facto, refere-se à província de Oriente, onde os Afrocubanos constituíam a maioria e onde o PCC decidiu que a questão que se punha era a do direito à autodeterminação. A questão de se saber se se tratava de uma nação afrocubana particular continua em aberto, mas o importante aqui é que os comunistas tentavam encontrar uma solução para um problema particular e reconheciam que a mesma exigência tinha já sido feita pelos Afrocubanos.

O outro problema é que o racismo contra os Afrocubanos era evidente no conjunto da sociedade e que, enquanto não fosse tomada uma medida, ele iria manisfestar-se também no seio do Partido Comunista. Essas medidas foram tomadas no PCC, foram feitos esforços intensos para recrutar mais membros Afrocubanos e, em meados dos anos de 1930, certos líderes do PCC eram Afrocubanos, como Lazaro Pena. E onde havia «chauvinismo branco» eram tomadas medidas para o combater, tal como no partido dos Estados Unidos. Em Cuba, estas questões não estavam apenas ligadas aos Afrocubanos, mas também aos trabalhadores imigrantes do Haiti e da Jamaica.

O Comintern interessava-se pelas Caraibas e pela América latina? Havia alguma espicificidade da questão negra nesta regiões do mundo?

O Comintern preocupava-se com a revolução em todos os países, incluindo a América latina e as Caraibas. Contudo, enquanto o ITCNW era responsável pelas Caraibas anglófonas e francófonas, excetuando um período inicial muito curto quando o comunista afrocubano Sandalio Junco se envolveu, ele não tinha nenhuma responsabilidade sobre Cuba, Republica Dominicana ou outras regiões da América do Sul. Esta responsabilidade foi confiada à Confederacion Sindical Latinamericano. Foi tomada uma primeira série de medidas e os progresssos mais importantes estiveram, sem dúvida, relacionados com o Brasil. É por isso que, em Pan-Africanism and Communism, eu não me focalizo na América Latina, salvo alguns comentários sobre Cuba e o Brasil.

Não havia, evidentemente, partidos comunistas nas colónias britânicas e francesas e isso tornava a organização política extremamente difícil, embora fossem feitos esforços para organizar aqueles que dirigiam os movimentos operários em países como a Jamaica, a Guiana britânica e Trindade, tal como em Guadalupe. Também havia relações com comunistas como Andre Aliker em Martinica e Jacques Roumain no Haiti, que esteve exilado em França alguns anos, antes da sua morte prematura. Além dos vários contactos nas Caraibas, a ITUCNW também trabalhava com organizações operárias na Guiana britânica e na Trindade em particular. Foi empreendido um trabalho muito importante e a ITUCNW tinha relações fortes com as organizações operárias na Guiana britânica e na Trindade em particular. O ponto principal aqui era que o Comintern queria organizar toda a gente e isso incluía as Caraibas e a América latina.

Como é que a ITUCNW ligava a questão colonial em África à ameaça do fascismo e da guerra dos anos de 1930?

O trabalho do ITUCNW em África colocava a tónica sobretudo no desenvolvimento de relações com o movimento operário nascente, mas também com os movimentos anticoloniais em certas partes de África, nomeadamente na África do Oeste e do Sul. O ITUCNW fazia isso tão diretamente quanto possível, nomeadamente através da distribuição do seu jornal Negro Worker, mas também através dos indivíduos e das organizações na Grã-Bretanha e em França. O Negro Worker  era ilegal na maior parte das colónias africanas e era regularmente confiscado pelas autoridades na África do Sul, por isso, organizar-se era uma tarefa extremamente difícil. Em certas ocasiões, havia atividades da ITUCNW que eram enviadas para diversas partes de África. Antes de meados dos anos 1930, a ITUCNW preocupava-se em combater o que ela entendia como «nacional reformismo» — ou seja, o garveyismo, assim como o «social-reformismo» influenciado pela II Internacional. A sua orientação geral era que a ordem colonial devia ser abolida e que isso devia ser feito pela organização e lutas dos operários e das massas dos povos das colónias. Embora reconhecessem diferenças entre as lutas das diversas colónias, a sua política não estava extremamente desenvolvida, pondo de lado a África do Sul onde ela trabalhava em estreita colaboração com o CPSA. Dito isto, neste país, havia problemas criados pelo líder do CPSA que prosseguia uma política estreita e sectária, isolando muitas vezes o partido daqueles que ele tentava organizar.

A aproximação do ITUCNW, do ISR e do Comintern era influenciada pela situação mundial e focalizava-se, em África e na diáspora, na invasão da Etiópia pela Itália fascista em 1935. Esta provocou uma condenação mundial e levou a um recrudescimento da luta anti-imperialista em África, nas Caraíbas e noutras partes. O surgimento do fascismo e o perigo da guerra tinham igualmente levado o Comintern a reavaliar a sua aproximação à II Internacional e a procurar formar uma frente única de todas as organizaçoes operárias assim como uma frente anti-imperialista nas colónias. Isso levou também a uma reavaliação da necessidade da ISR, que acabará por ser dissolvida. Esta reavaliação e reorientação do Comintern está fortemente ligada ao seu VII Congresso, de 1935, quando a liderança das organizações foi renovada e confiada a Dimitrov.

Durante este período, a ITUCNW estabeleceu uma base jurídica sólida em Paris e tentou reforçar os seus laços com as organizações nas colónias oeste-africanas e na África do Sul. A sua atividade principal era sem dúvida a sua implicação nos protestos contínuos contra a invasão da Etiópia pela Itália, embora ela também se implicasse nos protestos contra as pretensões alemãs de redivisão das colónias africanas. Em síntese, a ITUCNW não alterou a sua política relativa ao colonialismo das grandes potências europeias, mas reconhecendo ao mesmo tempo, a ameaça crescente que representavam o fascismo e a guerra, mobilizou-se contra esta. É notável que, por exemplo, em França, a União dos Trabalhadores Negros, filiados na ITUCNW tenha adotado uma posição crítica para com a política colonial do governo da Frente Popular enquanto, ao mesmo tempo, o PCF apoiava a existência deste mesmo governo.

Porque é que o Comité de Defesa da Raça Negra (CDRN) foi criado em 1926 e porque é que era importante que este comité pusesse a tónica na sua independência face ao Partido Comunista Francês (PCF)? Como é que o PCF evoluiu para a «questão negra»? Quais eram as diferenças entre o PCF e o Partido Comunista da Grã-Bretanha (GPGB) sobre esta questão, no período entre as duas guerras?

O CDRN foi formado em 1925 e estava mais ou menos associado ao PCF. Foi fundado por Lamine Senghor e outros, nomeadamente por causa da sua insatisfaçãp a propósito do que eles consideravam como uma abordagem equívoca da questão negra pelo PCF. O que é significativo é que os primeiros líderes do CDRN mantinham o seu apoio ao Comintern e às suas políticas, mas lamentavam o facto destas não serem corretamente integradas pelo PCF. O outro ponto importante é que se tratava de uma organização panafricana que integrava os habitantes da África e das Antilhas. Ela não era hostil à doutrina comunista, mas tentava manter a sua independência organizacional. É provável que esta aproximação tenha participado do aumento dos seus membros, mas no essencial da sua existência o CDRN permaneceu financeiramente dependente do PCF e era considerado como uma organização comunista pela polícia. Na prática, ele consegue combinar elementos do marxismo com diversas formas de panafricanismo e esta aproximação continuou com o seu sucessor, a Liga de Defesa da Raça Negra (LDRN), fundada em 1927.

De um modo geral, podemos dizer que as organizações que tomaram em mãos a questão negra eram organizações como o CDRN, a LDRN e mais tarde a União dos Trabalhadores Negros. Entre estas, os comunistas de África e das Antilhas desempenharam um papel primordial. Estas organizações estavam filiadas na ITUCNW e até financiadas por ela, em certos aspetos, nos inícios dos anos de 1930 e elas tornaram-se a principal ferramenta do Comintern para exercer a sua influência nas colónias francesas, nomeadamente em África. O PCF tentou organizar as vítimas do colonialismo via estas organizações, mas teve apenas um sucesso limitado até 1934. Seja como for, estas organizações continuaram ativas e tinham as suas próprias publicações difundidas mesmo nas colónias. No entanto, durante este período, o PCF foi criticado pela sua incapacidade para fazer progredir efetivamente a questão negra, nomeadamente na altura da grande revolta no Congo em 1928.

Na Grã-Bretanha, por outro lado, a organização anticolonial estava maioritariamente entre as mãos da liga contra o imperialismo, em ligação com a África e as Caraíbas e a sua associada, a Negro Welfare Association (NWA), que foi fundada em 1931. A NWA tinha um secretário de Barbados, Arnold Ward, mas era dirigida politicamente por comunistas ingleses que originaram alguns problemas organizacionais. O CPGB não teve organizadores africanos nem caribenhos fiáveis antes do final dos anos 1930, podendo dizer-se que o seu trabalho não era tão forte como o do seu homólogo francês. Ele tinha responsabilidades pelo partido sul africano, mas o seu papel a este respeito também não era eficaz. O grosso da organização política em Africa e nas caraibas britânicas estava igualmente a cargo da ITUCNW, associada à Liga contra o imperialismo e à NWA. O Partido comunista britânico era igualmente muito criticado pela sua inatividade.

Porque é que a ITUCNW foi dissolvida? Como é que a questão negra evoluiu no seio do Comintern após esta dissolução?

A ITUCNW foi dissolvida em 1937, após longas discussões e deliberações. A razão principal era que a tónica era posta sobre os partidos comunistas para que tomassem a seu cargo a questão negra, mas em parte também porque o modo como a ITUCNW tinha sido estabelecida, com recursos limitados e um foco restrito no sindicalismo, não fazia dela uma organização eficaz nas novas condições dos finais dos anos 1930. Considerava-se também que a orientação panafricana não era capaz de encorajar a luta nas várias regiões e países. A ISR foi dissolvida na mesma altura e o Comintern em 1943, durante a Segunda Guerra mundial.

No período que precedeu a chegada da guerra, a preocupação principal do Comintern era a oposição ao fascismo e às indemnizações de guerra, mas o seu interesse pela questão negra perdurou em alguns países de forma notória. Na Grã-Bretanha, houve uma chama de atividades ao mesmo tempo pela NWA, associada da ITUCNW e pelo CPGB. Nos Estados Unidos, o trabalho continuou com o National Negro Congresses  e organizações como o Council on African Affaires, dirigido por Paul Robeson e outros. Mesmo em França, durante o período da Frente Popular, houve avanços com o movimento comunista das Caraibas, a legalização dos sindicatos nas colónias africans e o aparecimento de uma organização comunista no Senegal. Com efeito, nesta época, a influência do comunismo progrediu em África e nas Caraibas como o provam as carreiras de Robeson e de Césaire.

Entrevista realizada por Selim Nadi publicada originalmente em Période. 

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Translation:  Maria José Sarabando

por Hakim Adi
Cara a cara | 29 Janeiro 2017 | Hakim Adi, Panafricanismo e comunismo