Entrevista com Matchume Zango - timbila style!
Entrevista com Matchume Zango, músico moçambicano do grupo Timbila Muzimba. Matchume toca timbila, criada pelo povo Chope e declarada pela UNESCO Patrimônio Cultural da Humanidade em 2005. Este instrumento confunde-se com a história da música moçambicana.
Por ocasião do Festival de Teatro da Língua Portuguesa (FESTLIP) realizado em Julho de 2009, o Rio de Janeiro recebeu alguns dos nossos irmãos africanos e lusitanos que conosco compartilham, além do gosto pelas artes, o idioma português. Neste evento integrador apresentaram-se companhias teatrais de Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal e do Brasil. Foi no Workshop de Percussão e Timbila, viabilizado pelo músico brasileiro André Sampaio, que conhecemos o músico moçambicano Matchume Zango, que faz parte da Cia Tijac (Moçambique e Reunião).
Matchume Nasci Candido Salomão Zango, em 1980, mas meu nome artístico é Matchume Zango. Sou moçambicano de origem Chope, pertenço a uma família de artistas praticantes da música Chope e falo-vos do instrumento Timbila e nossos estilos musicais específicos como a galanga, o choco, a chingomana, a mancala, que aprendi desde pequeno.
Conte-nos como começou seu envolvimento com a arte.
Comecei a dançar antes de tocar com quatro anos de idade, vivi e cresci no meio da nossa música e dança porque para nós a música e a dança estão sempre juntas. Mais tarde comecei a tocar, só que ninguém me ensinou, nós tocávamos juntos e também já tinha o dom para tocar. Tocava percussão e pouco a pouco comecei a tocar Timbila porque ela faz parte da minha história enquanto Chope. Então, parei de dançar em 1996, quando tinha 16 anos porque não podia fazer as duas coisas ao mesmo tempo, então dediquei-me à música, apostei na música como carreira artística.
Como foi então esse início da sua carreira artística?
Aos 13 anos participei num projeto que envolvia crianças de Moçambique e Áustria. Foi um intercâmbio muito forte, quando voltei para Moçambique senti que tinha que fazer algo diferente. Eu já tinha visto projetos de world music e também outros projetos com a Timbila e bateria que foi um projeto que passou pela minha casa. Vi coisas que vinham da Áustria e de Frankfurt como a “Banda Família de Percussão”, que montou um projeto de jazz com a Timbila para adolescentes. A Timbila é considerada um instrumento de jazz, chamamos de jazz-metal porque é tocada em orquestras típicas de jazz e com os chocalhos para acompanhar. Comecei a carreira artística participando deste grupo, foi um arranque para a vida, como uma escola, embora eu já tocasse e dançasse a música tradicional moçambicana, este grupo inspirou-me bastante. Quando voltei da Áustria em 1993 continuei a dançar e tocar Timbila, e em 1996 formei a Orquestra Timbila Muzimba.
Que outras experiências musicais contribuíram para a sua formação?
Comecei a dançar, a tocar, estudar e produzir instrumentos tradicionais moçambicanos como a Timbila, o xitende, o mtxiga, o xogovila. Neste sentido de promoção da cultura nacional, criei grupos de música e dança tradicional como o Novos Raios, e a orquestra de música tradicional e urbana Timbila Muzimba, cujo trabalho tem sido reconhecido em África, Europa e Ásia. Fiz parte de outros grupos na França, na Alemanha, na Bélgica e fui adquirindo várias experiências com estes grupos todos. Na França trabalhava com um grupo de dança contemporânea, e em Portugal dava cursos de Timbila e também trabalhava com música contemporânea, não somente tradicional. Na minha caminhada fui encontrando vários tipos de música e interessou-me mudar, variar aquela concepção de música tradicional juntando o contemporâneo.
Apresente-nos a Orquestra Timbila Muzimba.
Como fundador deste projeto fiz uma aposta forte, era um projeto para mudar, foi um projeto de vida. A Timbila Muzimba é composta por timbilas, baixo, bateria, percussão e dançarinos. Quando começou a Timbila Muzimba éramos três músicos, fomos às Jam Sessions e aí íamos compondo a banda, pois aparecia algum artista que gostava do trabalho e se integrava ao grupo. No começo não tínhamos um baterista, fomos a uma Jam Session e um baterista de outro grupo se interessou pelo trabalho e passámos a ter um baterista. Noutro momento fomos a um festival de música e ainda não tínhamos um baixista, então um baixista de outro grupo se identificou com o trabalho e o grupo dele o perdeu, nós ganhamos um baixista. Fomo-nos formando em pequenos eventos. Nossa proposta básica junta os estilos musicais contemporâneos e tradicionais.
A dança da Timbila Muzimba chama-se Mgodo que significa “Um Tronco Forte”, sua história é a seguinte: os bailarinos iam à guerra lutar, mas não iam à guerra levando a música, iam só para lutar (o povo chope foi um povo de resistência, pois enfrentou muitas guerras tribais com o changanas, shonas e outros). Quando eles voltavam da guerra, a Timbila era tocada pelos parentes como uma orquestra para eles dançarem, funcionava com um treino, os movimentos da guerra juntavam-se à Timbila. Lembra um pouco a vossa Capoeira. A música da Orquestra da Timbila do som Mgodo é tocada e dançada por homens, mas existem outros tipos de músicas e formações musicais que são dançadas por mulheres como a Galanga, a Chingomana, a Mancala. Mas a Orquestra das Timbilas é dançada mesmo só por homens porque eles dançam os movimentos das guerras, por exemplo, levantam as pernas no ar, que são movimentos difíceis para as mulheres.
O Instrumento Timbila foi considerado Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO em 2005, conte-nos um pouco da história e da importância da Timbila.
A Timbila é um instrumento que faz parte da vida cotidiana de um povo moçambicano Chope. É um instrumento que varia de geração para geração, sendo que cada geração tem uma maneira própria de tocar e interpreta a Timbila, por exemplo, o meu avô toca de uma maneira diferente da minha mas não perdemos o estilo tradicional. Embora não tenhamos presenciado o estilo de antigamente tentamos sempre buscar o tradicional e evoluir com o instrumento. Ter sido considerada Patrimônio Cultural da Humanidade é um sinal de que ela já não mais pertence somente ao povo Chope. Isto é muito bom para nós os Chopes porque podemos divulgar a nossa cultura com mistura de várias culturas do mundo.
Como é o seu trabalho musical no teatro e sua participação na Cia TIJAC com o texto Mar me quer do escritor Mia Couto?
Fui convidado pela Cia Tijac para a parte musical dos espectáculos da companhia investigando e misturando os timbres de instrumentos tradicionais como o mbira, junto das máquinas mais modernas de criação de sons. Eu já tive outras experiências com dois grupos de teatro antes do Tijac. Quanto aos textos do Mia couto, conheço alguns e já fiz outros trabalhos com ele, musiquei um texto dele e do José Eduardo Agualusa. Fazer a música é mesmo ler o texto, entender e fazer minha interpretação musical, na verdade não é muito difícil, só temos que ter uma maneira de criar a história na música, o sentimento da música dentro da história. Não é só trazer o sentimento triste da história do Mar Me Quer, pois trata-se de uma tristeza de amor. A música traz esta vida, esta coragem, como se levasse o público a entender a história do mar e do pescador no teatro encenado.
Quanto à música brasileira, você a relaciona com a música de Moçambique?
Com certeza, o Samba de vocês vem do Semba e nós ouvimos Semba em Moçambique. Vocês aqui têm um ritmo sincopado no samba e é o mesmo movimento, só que nós não abanamos (balançamos) a cintura como vocês. Dançamos com o movimento das mãos, é uma dança do amor, para mim o Samba e o nosso Semba estão relacionados. Conhecemos também a Bossa Nova, mas, este ritmo é diferente do que temos por lá. Somos muito ligados ao Jazz e tocamos outros ritmos como o Kuduro, o Ndombolo, o Semba, o Hip Hop e até o Zouk.
*Esta entrevista foi realizada no dia 12/07/09, por Denise Guerra, que assina a coluna Corpo:Som e Movimento da revista http://www.africaeafricanidades.com
*A referida entrevista foi publicada na edição nº06 da revista acima citada:
http://www.africaeafricanidades.com/documentos/Entrevista_com_Matchume_Zango.pdf