Um arquipélago crioulo: Novos Cinemas de África

Esta é a primeira publicação do AFRICA.CONT. Dedicada ao que foi também o primeiro programa que apresentámos: «African Screens: Novos Cinemas de África». Tal como na mostra de cinema realizada em 2009 em Lisboa, com este livro retomamos ainda uma iniciativa semelhante1 que teve lugar em Berlim na

Haus Der Kulturen Der Welt, a cujo director, Bernd Schener, e a Doris Hegner temos de agradecer pela disponibilidade e colaboração.

Manthia Diawara associou-se desta vez a Lydie Diakhaté, como curadores do novo programa que conceberam especificamente para Lisboa: incluíram cinema no feminino e filmes de países lusófonos, de África e do Brasil. O empenhamento que ambos puseram nesta tarefa, e a sua presença inteligente e calorosa nos quatro fins-de-semana por que se estendeu o festival, não serão nunca por nós esquecidos. Os realizadores e outros agentes culturais, africanos e portugueses, que se reuniram nos debates respectivos, que aqui também se publicam, fizeram-no com o maior entusiasmo e generosidade.

Todos permitiram que o AFRICA.CONT começasse realizando em pleno os princípios que fundamentam o seu projeto. Por tudo, e a todos, a nossa maior gratidão. Durante esses quatro fins-de-semana fomos a plataforma que cria

um espaço onde vozes africanas se fazem ouvir, em que africanos se dão a ver e se representam nos seus próprios termos e perspectivas. E em que ao mesmo tempo se repensam e se desconstróem os efeitos da colonização nas diferentes culturas e sociedades, colonizadas e colonizadoras, antes e depois das  independências. Pretendemos ser lugar para vozes descolonizadas, africanas e europeias.

Começar pelo cinema, arte da modernidade e da cidade por excelência, faz o maior sentido, já que é da modernidade e da contemporaneidade africanas que nos ocupamos. Contrariando os clichés eurocêntricos, indo antes ao encontro de uma África onde crescem algumas das maiores megalópoles do mundo, que se desloca sem cessar dentro e fora das suas fronteiras, aberta ao mundo e revendo-se no diferente. Produtora de uma nova sensibilidade cultural, estética e histórica, que o cinema africano dá hoje a ver talvez melhor do que qualquer outra forma de expressão. Diferenciando-se de outras cinematografias, mas também apresentando a sua multiplicidade interna de linguagens, e de pronunciamentos, como desde o plural do título fica claro: Novos Cinemas Africanos.

De uma África que é um conceito mais do que um lugar geográfico ou uma etnicidade. Retomando a bela imagem de Achille Mbembe, uma força cultural que anda pelo mundo como uma corrente marítima num oceano: faz parte dele mas tem os seus próprios movimentos e temperaturas.

Os nossos agradecimentos têm de estender-se também a Jean-Paul Lefevre, do Instituto Franco-Portuguais, a Jeanick Le Naour, da Cinémathèque Afrique/Culture France, e a Joachim Bernauer, do Goethe-Institut Portugal, cujo apoio foi fundamental na concretização deste projecto. Por fim, um reconhecimento especial à Manuela Ribeiro Sanches pela sua leitura atenta dos textos e a Jean-Pierre Bekolo pela disponibilização das imagens para este livro, cujo filme Les Saignantes preencheu a sessão de abertura oficial do «African Screens».

 

 

“Os cinemas africanos contemporâneos assumem hoje o papel que a literatura africana tinha nos anos 1960. Hoje estão a emergir de África novos posicionamentos críticos e novas linguagens cinematográficas, muitas vezes em competição ou mesmo em conflito umas com as outras, cuja visibilidade tem sido posta em causa pela visão monolítica e politicamente correcta da definição de cinema africano veiculada pelas casas de cultura e pelos festivais do Ocidente. O que é fascinante neste novo cinema de África é a capacidade dos seus cineastas em dar voz aos africanos, de forma a poderem comunicar para além das suas fronteiras nacionais e com públicos de outras esferas.”

Manthia Diawara e Lydie Diakhaté

 

AFRICA.CONT

FNAC CHIADO 12 MARÇO (sábado) | 19h30

COM MANTHIA DIAWARA e LYDIE DIAKHATÉ

  • 1. Referimo-nos ao livro “African Film: new forms of aesthetics and politics” (Prestel, 2010), do qual adoptámos o título e os dois textos assinados por Manthia Diawara.

por José António Fernandes Dias
Afroscreen | 10 Março 2011 | africa.cont, cinema africano, Manthia Diawara