Preservação do ambiente é uma ambição da mostra de António Gonga "Jubileu Bodas de Ouro"

A preservação do meio ambiente marca a exposição Jubileu Bodas de Ouro, de autoria do artista António Gonga, que se apresenta com uma abordagem na base da reciclagem de material usado e desprezado pela maioria dos cidadãos.

A amostra enquadra-se nas celebrações dos cinquenta anos de independência dos países africanos, anteriormente colonizados, do Gana à Namíbia. 


O artista congrega no seu trabalho um conjunto de imagens de personalidades que, ao longo dos cinquenta anos, têm contribuído para manter a soberania dos países africanos, pintadas em óleo sobre tela e acrílico.

O mestre das artes plásticas considera satisfatório o caminho que a arte angolana tem trilhado, quanto à qualidade dos trabalhos apresentados, sobretudo da nova geração. 

Neste contexto, sublinha a necessidade de se aprimorar a concetualização do que se produz, no sentido de haver crescimento em termos de construção de um discurso estético que correspondente à sua proposta. 

As suas obras estão envolvidas na preservação do meio ambiente e nas políticas do três “R” (Reduzir, Reutilizar e  Reciclar), já que a partir do lixo se consegue dar vida a objectos descartados como jornais, metais, materiais informáticos, esferovites e vestígios vegetais, para a produção de obras de arte.

A consciencialização da arte nos PALOP ainda é uma miragem, tirando Moçambique que parece encontrar-se melhor organizado nesse questão. Já não se conhece outro país da lusofonia que tenha dado passos significativos na institucionalização do saber nos países de língua oficial portuguesa.

A exposição de homenagem ao continente mostra ser possível reforçar a união dos artistas africanos, em particular dos PALOP, através das artes.

António Gonga faz parte da velha guarda de criadores angolanos, há mais de trinta anos, envolvido na dinâmica das artes visuais e plástica. Com as questões ecológicas do planeta na mira, Angola merece especial destaque pelo artista que, em Jubileu Bodas de Ouro, reuniu peças que não deixam de espelhar uma realidade sociocultural. Gonga recorre à simbologia traçada pelos antepassados que muito contribuíram para deixar um legado de imagens conduzindo os visitantes a Angola profunda.

Durante a conversa, Gonga fez saber que a obra “Lucubrações da Kianda” retrata o largo do Kinaxixi, uma das praças mais inspiradoras da urbe Luandina com o seu arquitetonicamente famosos mercado, entretanto demolido. Ali, a administração colonial portuguesa instou a honrar a revolta do Minho com a estátua da Maria da Fonte e um monumento aos mortos da grande guerra e das campanhas do Sul de Angola. Para a sua memória histórica e cultural não poupada pela iconoclastia libertária do nacionalismo angolano, aquele conjunto escultórico de calcário pujante caiu em terra dinamitada sem dó. 

Das catorze obras da exposição destacam-se também “Retrato de Gonga”, “Jubileu (I; II; V, III; IV)”, “Mona Xiwa Wvile môngungu”, “Referência sobre Vitex”, “Pórtico à Vitex: I) Pórtico ; II) Marca triunfante ; II e V Anunciação do Jubileu ; IV) Diáloo Intercultural”, “Serenata”, “Poesia das Estrelas”, “Mangedoura :I) Anunciação ; II), III), IV), Magos”, “ Onde há Lado P`ra pegar?”, “ Á voz no umbral”, “Do foo Reenerador  (Fenix)”, “Aspirações” e “Quando as Salamandras Esmagarem  a cabeça da serpente”.

De acordo com o artista, no percurso da história pós-colonial a praça designada Kinaxixi não defraudou a nostalgia de poetas e artistas pela toponímia exaltadora da cultura ambundo.

Nas suas lucrubações premonitórias a Kianda da terra, sempre intuiu por tempos em que se ressignificariam os pedestais para a invocação da memória cultural e histórica de Angola.

Segundo o artista, o projecto jubileu é uma emanação da memória colectiva e inscreve-se no espírito das celebrações (dos cinquenta anos de independência dos países africanos). É a exaltação de um bem inalienável que África se libertou, no fim de muito tempo de consentido sofrimento e sacrifício à “liberdade”.

“Os fundamentos dos patriotas e intelectuais engajados ficaram catalogados em distintos meios e linguagens, sendo os tipográficos os eleitos para a nossa enunciação artística”, contou. O também escultor quis aglutinar um conjunto de imagens de personalidades que, ao longo dos 50 anos, têm contribuído para manter a soberania dos países africanos.

As obras de Gonga são, assim, memórias acumuladas ao longo do seu percurso como homem de artes. Durante a conversa, Gonga disse que a exposição marcou a confirmação da transição da transumância enquanto primeiro movimento artístico na contemporaneidade angolana depois da independência. 

O crítico Filipe Vidal considera que Gonga confirma as mais de três décadas de ação nas artes plásticas. 

Gonga nasceu em 1964, em Quitende, na província do Uíge. No início de carreira o artista destacou-se com a produção de pequenos trabalhos feitos de cartolina, lápis e aguarelas, por falta de meios financeiros e por não dominar outras técnicas. Em 1997 torna-se membro na União Nacional de Artistas Plásticos (UNAP).

António Gonga assume os seus discípulos como os mestres Manuel Ventura, António Kamutu, Suzana Kyana, Sozinho Lopes, Furtunato Bangui, Venâncio Gonga, Duarte Boa Morte, João Jorge, e Gilberto Kapintango que fazem parte da família Transumância.  O atelier Transumância manifestou-se no bairro da “Boa Vista”, distrito urbano da Ingombota em Luanda. Transumância tinha como missão produzir a arte com a matriz angolana com o imaginário africano, e lançou recentemente um projecto de responsabilidade social, sem fins lucrativos, intitulado “ Sol de Cacimbo Arte e Ideias”, actualmente localizado em 2012 na Via Expressa barro Cajunje.

O sector da cultura deve apoiar os artistas em todos os sentidos. É sabido que os talentos dos artistas angolanos têm maior valor na diáspora. Enquanto cidadão angolano orgulha-me bastante ver o nome do país a ser exaltado no estrangeiro, todo fazedor de arte reconhecido mundialmente pelos seus trabalhos deveria receber um reconhecimento por parte do Ministério da Cultura e de certa forma partilhar o seu talento com as zonas longínquas do país. Os artistas precisam de apoio institucional, com o pouco que temos cá, é o muito que podemos mostrar lá.

 

Artigo produzido como trabalho final do curso Comunicação Cultural para os PALOP, promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian, coordenado por Marta Lança (BUALA).

por Emerson Hossi
A ler | 18 Fevereiro 2022 | angola, António Gonga, pintura