Lembrar / Esquecer: a história difícil da cerâmica em Portugal e além-mar

Um convite para ‘lembrar / esquecer’ [‘(re)member / (for)get’, escrito assim no texto original, coment. trad.], é um convite para lembrar e esquecer algo, bem como simultaneamente partir e ‘desmembrar’ isso e ‘obter’ novamente algo mas diferente. É uma tentativa fugaz de re-imaginar as nossas histórias de forma alternativa. No centro de todos os poderes imperialistas, Portugal incluído, esteve sempre uma habilidade incrível de esquecer, uma fábrica incrível de esquecimento. A tarefa dos artistas, escritores e pensadores é de analisar este processo de ‘lembrar e esquecer’. Artistas e pensadores que se encontram nas margens por causa do seu trabalho acerca de assuntos como identidade e tudo o que se apresenta como diferente, oferecem-nos uma possibilidade não-colonial (decolonial, no texto original, com. trad.) e não-ocidental (dewestern, no texto original, com. trad.) para podermos confrontar essa história da modernidade que teve seu início no século XV, história essa que começou em 1492 e que tantas vezes é descrita como sendo uma descoberta e exploração, e muitas vezes eufemisticamente denominada como encontro – uma catástrofe para os povos indígenas e crise do pensamento Europeu. O desafio que temos de enfrentar agora é o convite à lembrança para através da construção da diferença ajudar-nos a conceber uma linha de pensamento sobre o interstício entre a memória da nossa história, origem e deslocações do passado e do presente, para descobrir um método para a criação de um novo processo de lembrança.

A cerâmica é um símbolo da história portuguesa. Ao fazer parte da esfera do doméstico a cerâmica projeta-se no centro da produção e circulação ideológica do trabalho com preocupações de género e feministas. Quando penso e teço as minhas considerações, situo-me sempre a partir do continente africano do sul. Os Portugueses estiveram presentes na região durante 400 anos, a começar com as ‘explorações e descobertas’ de Vasco da Gama, muito antes que os Britânicos chegaram, e isso só há 100 anos. Vasco da Gama e outros trouxeram o azulejo, a cerâmica e ornamentos portugueses nestas assim-chamadas viagens de descoberta e exploração. Escreveu-se muito sobre como estes colonialistas e colonos estavam em vantagem nas suas chegadas em África, no Brasil e nas várias ilhas perdidas no oceano índico; mas muito pouco foi escrito sobre as vidas das mulheres que acompanharam esses ‘exploradores’ ou as mulheres que também saíram para viver nas colónias novas.

O argumento aqui é de ler a cerâmica como símbolo da história portuguesa que nos dá a possibilidade de tornar visível as experiências destas mulheres que chegaram às costas de África e do Brasil, e lembrar como género e sexualidade foram reconfigurados.(…)Os portugueses e os outros poderes imperialistas trouxeram com eles multidões de missionários cristãos. Esses missionários levaram a cabo campanhas que viram essas mesmas jarras de barro tiradas e destruídas porque eram consideradas um elo de ligação com os nossos ancestrais e por isso pecaminosas.Quando as mulheres que acompanharam os exploradores chegaram a África, ao Brasil e a todos os outros sítios, a sua loiça tinha sido partida pelo mar, as cerâmicas todas partidas. Em ambos os casos a cerâmica ficou destruída.

Londres/Lisboa 2019

por Rita GT e George Shire
A ler | 3 Novembro 2020 | cerâmica, colonização, história portuguesa, Rita GT