Cinemas pós-coloniais e periféricos - ebook

Este é o terceiro volume da série de publicações  intitulada Cinemas pós-coloniais e periféricos, produzida no âmbito do GT homônimo da Socine – Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual. Esta rede de pesquisadores dedica-se aos estudos pós-coloniais a partir do cinema e suas implicações políticas e estéticas no campo das artes em geral.

De acordo com pensadoras e pensadores latino-americanos, como Maria Lúgones, Walter Mignolo e Nelson Maldonado-Torres, o discurso central da suposta universalidade do projeto da modernidade trouxe como consequência a eliminação de saberes e culturas locais, ancestrais, comunitárias e não industriais ligadas aos antigos povos originários. A justificativa utilizada para tal epistemicídio corresponde à celebração da participação de tais grupos na “civilização ocidental” moderna, cuja composição social é marcada pelo racismo estrutural. Portanto, o que é entendido como periférico, subalterno ou marginal revela-se como um importante aparato, uma construção social amplamente demarcada pelo biopoder, um tipo de poder regulador de vidas (e de mortes) bem como um índice de determinação das ficções e das representações acerca da vida do “outro”.

É nessa ampla corrente epistêmica, intelectual e política dos estudos pós-coloniais que esta coletânea se insere, uma área interdisciplinar que agrega vários saberes das Humanidades, desde a Crítica Literária aos Estudos Artísticos. Grande parte dos pesquisadores e pesquisadoras reunidos tanto neste volume quanto nos dois anteriores mostra um esforço inédito no campo do cinema, no caso do Brasil, no questionamento de nossa historiografia, filmes, bibliografias e referências canônicas.

Download do livro disponível aqui.

23.04.2021 | par Alícia Gaspar | cinema, civilização ocidental, colonialismo, cultura, ebook, pós-colonialismo, racismo estrutural

Happy Together | 2016 | Mala Voadora Porto

Happy Together é um programa concebido pela mala voadora que reúne a especulação teórica e a artística, em torno da ideia de “felicidade em comum”. Todos os anos convidamos um ou dois artistas para as conferências do Fórum do Futuro, organizado pela Câmara Municipal do Porto, e lançamos uma convocatória para a produção de obras, feitas por artistas portugueses, que se relacionem com (1) as obras dos artistas convidados, (2) o tema anual do Fórum do Futuro ou (3) o próprio programa Happy Together.
Este ano o tema do Fórum do Futuro é “ligações”. Menos por isso e mais porque andamos concentrados em África (estreamos recentemente Moçambique, uma saga política a partir da biografia de Jorge Andrade), convidámos Samuel Fosso e Teddy Goitom, dois artistas que contribuem para a reinvenção biográfica e cultural de África e a veiculação de uma imagem cosmopolita daquele continente.
A​ ​programação​ ​da​ ​malavoadora.porto​ ​e​ ​os​ ​espetáculos​ ​de​ ​teatro​ ​da​ ​mala​ ​voadora​ ​são duas​ ​vertentes​ ​do​ ​nosso​ ​trabalho​ ​que​ ​queremos,​ ​por​ ​vezes,​ ​coincidentes​ ​– porque​ ​a​ ​nossa relação​ ​com​ ​o​ ​mundo​ ​quer-se​ ​instável​ ​mas​ ​não​ ​tem​ ​um​ ​interruptor​ ​binário,​ ​e​ ​porque​ ​tudo alimenta​ ​tudo. O programa HAPPY TOGETHER é também importante para a malavoadora.porto na medida em que é um momento em que o edifício da Rua do Almada 277 é ocupado por várias artes, e não exclusivamente pelas performativas. O sítio de onde viemos não é necessariamente o sítio aonde queremos chegar.
A expressão “Happy Together” (retirada do filme de Wong Kar Wai) que dá título ao programa é quase uma definição de “política” no seu sentido original. Definir modelos de convivência com vista à felicidade comum é a tarefa na qual radica o objetivo do tipo de pensamento e de prática a que chamamos “política”.
(design Marta Ramos)(design Marta Ramos)

Como referimos, Happy Together tem duas vertentes: uma centrada nas conferências ou entrevistas aos artistas convidados, outra na exposição ou apresentação das obras selecionadas na convocatória. Este ano, a exposição e apresentação de performances inaugura na malavoadora.porto, na Rua do Almada 277, no dia 2 de Novembro às 18.00 (e estará aberta ao público, com entrada livre, até ao final do dia 5). As duas conferências realizam-se, respectivamente, a 3 e 4 de Novembro, no Rivoli.
As 4 obras selecionadas pelo júri da convocatória são: Letter Landscape de Andreia Santana e Henrique Loja; One Way to Pandora de Diogo Bessa e Xana Novais; Turning Backs de Rita Vilhena, Lígia Soares e Diogo Alvim; e (Un)Balanced de João Dias-Oliveira, Nuno Mota, Patrick Hubbman e Rossana Ribeiro.

Letter Landscape Letter Landscape
Letter Lanscape
 é uma instalação de duas projeções simultâneas que, através de exercícios que convocam a oralidade e de tutoriais de manipulação e mapeamento 3D, constrói um diálogo entre linguagem e território como construtores de espaços de proximidade. Em LETTER LANDSCAPE, paisagem e território permeiam-se à rasura de fronteiras e fragmentam distâncias, construindo apenas contiguidades onde a palavra é habitada pelo palimpsesto da partilha.”

One Way to PandoraOne Way to Pandora
“A instalação-performance One Way To Pandora parte de uma onda fotográfica e de uma savana artificial para recriar dois momentos que comemoram a partida da cidade, a frescura de uma zona de conforto e a partilha entre corpos humanos numa dimensão inspirada nas raízes africanas, sul-americanas e em todas as selvas meta-amazónicas, meta-cyborg, meta-verdadeiras.”

Turning BacksTurning Backs
Turning Backs
é um projeto que visa a materialização do paradoxo: todos estamos incluídos na exclusão. A instalação proposta é de participação obrigatória mas apenas num dos lados. São duas linhas de assentos que não têm costas e obrigam cada espetador a utilizar as costas do outro como encosto. Afinal, estar costas com costas é encostar a alguém, sendo que esse alguém é exatamente a pessoa a quem virámos costas.”

(Un)Balanced(Un)Balanced
(Un)Balanced
é um artefacto mecânico motivador de reflexão sobre equilíbrio, força, peso, pressupondo um par ação-reação. É uma instalação interativa de carácter lúdico que proporciona um momento de diversão. É uma analogia sobre as relações humanas, sociais e políticas, uma demonstração de que o equilíbrio depende da relação harmoniosa entre partes.”

Depois da inauguração, no dia 2, a exposição abrirá também no dia 4, às 16.00 e no dia 5, às 14.00. Finaliza, nesse dia com uma conversa com todos os artistas participantes, às 18.00.
No dia 3, convidámos Catarina Simão, artista e investigadora que vive entre Lisboa e Moçambique, para entrevistar Samuel Fosso. Fosso é um fotógrafo camaronês que se tornou conhecido pelos autorretratos, nos quais produz transformações performativas do seu corpo, inventando uma multiplicidade de identidades politicamente subversivas, “pós-coloniais”.
Teddy Goitom (Stocktown)Teddy Goitom (Stocktown)
No dia seguinte, Teddy Goitom, cineasta e produtor, apresenta-nos a plataforma Afripedia (www.afripedia.com) que desafia os modos como a arte africana é percepcionada pelo mundo e liga efetivamente talentos e artistas africanos à escala global, veiculando para o mundo a vibração de um continente cosmopolita.
Happy Together liga fotografia, cinema, performance, instalação, pensamento, música e vídeo. Liga o percurso de artistas “reconhecidos” com percursos mais recentes. Liga – são apenas 500 metros de percurso! – o Rivoli e a Rua do Almada. A malavoadora.porto a confiar tudo nos artistas e nas artes todas.

[Texto escrito por Mala Voadora]

31.10.2016 | par marianapinho | Andreia Santana, arte, Catarina Simão, Diogo Alvim, Diogo Bessa, felicidade em comum, Happy Together, Henrique Loja, João Dias-Oliveira, ligações, Lígia Soares, Mala Voadora, Nuno Mota, Patrick Hubbman, política, pós-colonialismo, Rita Vilhena, Rossana Ribeiro, Samuel Fosso, Teddy Goitom, Xana Novais

Da Descolonização ao Pós-Colonialismo: perspetivas pluridisciplinares

Call for papers - até 13 de setembro, 2015

De 1947 (independência da Índia) a 1990 (autodeterminação do Zimbabwe, 1980, e da Namíbia, 1990), chegou ao fim o que era normalmente descrito como o colonialismo moderno europeu na Ásia e em África. A vaga anticolonial varreu todo o planeta ao mesmo tempo que, nos anos do pós-2ª Guerra Mundial, as mudanças sociais e económicas sentidas no mundo ocidental produziram o Estado de bem-estar social, a cultura de massas e abriram caminho a uma nova etapa da globalização. O que parecia ser o triunfo da descolonização sobre a hegemonia ocidental, com toda a sua “energia, vitalidade e otimismo”, foi rapidamente absorvido pela “distribuição de poder no sistema mundial” (Lazarus, 2004). 
Este congresso está aberto a uma discussão multidisciplinar sobre : 
Diferentes processos económicos e políticos de descolonização (casos português, francês, britânico, holandês, belga, italiano, espanhol e sul-africano), assim como diferentes dimensões da “condição pós-colonial” (Baker et al., 1995; Young, 2012), incluindo: 
Fluxos demográficos migratórios e recomposição social em contextos de conflito anti-colonial e de descolonização formal 
A negociação de identidades nacionais em contextos pós-coloniais 
Relações Norte-Sul, uma avaliação crítica de programas de cooperação e respetivas doutrinas de desenvolvimento 
Usos coloniais e pós-coloniais do passado: memórias e representações dos conflitos e das transições 
Educação, Pós-Colonialismo e Globalização 
Descolonizações, literaturas e culturas 
Estamos, por isso, abertos à submissão de papers individuais, propostas de painéis e mesas redondas que incidam sobre qualquer um destes tópicos e linhas de investigação. 
REGRAS GERAIS 
INSCRIÇÕES 
Unidades de investigação associadas à organização: Instituto de História Contemporânea da FCSH/UNL (IHC/FCSH/UNL), Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE/FPCEUP), , Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES) 

11.09.2015 | par martalanca | Descolonização, pós-colonialismo

IV Congresso Internacional em Estudos Coloniais - Colonialismo, Pós-Colonialismo e Lusofonia

Re-imaginar a Lusofonia ou da necessidade de descolonizar o conhecimento


Colonialismos e pós-colonialismos são todos diferentes, mesmo quando referidos exclusivamente à situação lusófona. Neste contexto, mais do que procurar boas respostas, importa determinar quais as questões pertinentes aos nossos colonialismos e pós-colonialismos lusófonos.

Com efeito, problematizar a própria questão é começar por descolonizar o pensamento. Em nosso entender, esta é uma das tarefas candentes no processo de re-imaginação da Lusofonia, que passa, atualmente, pela procura de um pensamento estratégico que inclua uma reflexão colonialista/pós-colonialista/descolonialista.

Esta tarefa primeira, e mesmo propedêutica a qualquer construção gnoseológica, de descolonizar o pensamento hegemónico onde quer que ele se revele, não pode deixar de implicar as academias, centros de produção do saber e do conhecimento da realidade cultural, política e social. Neste sentido, descolonizar o pensamento sobre a Lusofonia passará por colocar em causa e instabilizar o que julgamos já saber e ser como ‘sujeitos lusófonos’, ‘países lusófonos’, ‘comunidades lusófonas’.

Trata-se, assim, de instabilizar a uniformidade, mas também as diferenças instituídas, que frequentemente não são mais do que um novo género de cânone integrador e dissolvente da diferença. Por outro lado, não podemos deixar de praticar uma atitude vigilante, de cuidado e suspeição, em face do discurso sobre a diferença irredutível, que pode tornar-se (como no passado) na estéril celebração do exótico. Fazer com que a diferença instabilize o que oficialmente se encontra canonizado como ‘diferença dentro do cânone’, implica negociar e re-inscrever identidades sem inverter dualismos. Uma reflexão pós-colonial no contexto lusófono não pode evitar o exercício da crítica às antigas dicotomias periferia/centro; cosmopolitismo/ruralismo, civilizado/selvagem, negro/branco, norte/sul, num contexto cultural de mundialização, transformado por novos e revolucionários fenómenos de comunicação, que têm também globalizado a marginalidade.

A tarefa de re-imaginar a Lusofonia implicará necessariamente a deslocação, inversão ou até implosão, do pensamento dual eurocêntrico, obrigando-nos a repensá-la dentro de uma mais vasta articulação entre local e global

Re-imaginar a Lusofonia em contexto pós-colonial implica, por isso, repensar a pós-modernidade em que se inscreve, e que convive paradoxalmente com o crescente isolamento dos países árabes e o rápido desenvolvimento económico da Ásia

Re-imaginar a Lusofonia obriga ainda, em nosso entender, a estudar as práticas de resistência e de contra-hegemonia, procurando compreender o que criam em troca, que lastro deixam nas sociedades e nas culturas contemporâneas, no que respeita à diminuição das desigualdades. A Lusofonia que procure um pensamento e um conhecimento descolonizado, não pode deixar de prestar uma atenção particular às comunidades minoritárias e de emigrantes, cujo estudo faz parte do próprio pós-colonialismo.

Note-se porém que o pós-colonialismo não está aqui no sentido nem geográfico (como sociedades subalternas) nem no sentido temporal (como sociedades libertas do colonialismo), mas pensamos, por outro lado, que uma re-imaginação da Lusofonia não pode dispensar uma análise comparativa e um diálogo profundo com os diversos colonialismos e pós-colonialismos contemporâneos, procurando encontrar as especificidades do caso lusófono.

Longe de se tratar de uma análise meramente discursiva (embora a inclua) importa estudar igualmente as modalidades vividas e concretas da situação pós-colonial (que implicam necessariamente também a investigação empírica) das comunidades que, quer disso tenham consciência quer não, vivem na linha de continuidade, cruzada e traficada, entre colonialismo e pós-colonialismo.

Desmistificar, desierarquizar, estabelecer uma política da diferença, permitir a multiplicidade das vozes, constituir outros tantos projetos de modernidades/racionalidades possíveis dentro da pós-modernidade, mobilizar, re-politizar, imaginar outros modelos políticos, sociais e económicos, eis a tarefa (utópica, naturalmente) que nos parece ser essencial no re-imaginar a Lusofonia.

Assim, nesta proposta, propedêutica e maiêutica da própria Lusofonia, pretendemos implicar colonialismo, pós-colonialismo e descolonização numa política de identidade lusófona (que se constitui em primeiro lugar como um conjunto de narrativas) a delinear e implementar, numa situação de permanente negociação do sentido, e da história, reconhecendo a sua natureza estruturalmente ambígua. Na verdade, não podemos ignorar que pensar o pós-colonialismo hoje terá de passar pela crítica já realizada aos lugares da modernidade, não podendo deixar de se fazer a partir da pós-modernidade e do pós-estruturalismo.

Ao radicarmos esta proposta no contexto epistemológico dos Estudos Culturais não podemos ignorar os contributos das teorias da subalternidade e da representação na construção de um projeto que re-imagine a Lusofonia. Com efeito, o pós-colonialismo é uma temática de investigação e trabalho central dos Estudos Culturais desde a sua génese, na sequência da teoria crítica e do pós-estruturalismo, que se tem cruzado com as temáticas do multiculturalismo, hoje objeto de múltiplas críticas.

Um tal projeto implica, em nossa opinião, trabalhar a ideia de que colonialismos e pós-colonialismos marcam as culturas e as histórias de colonizadores e colonizados, misturando, de diferentes formas, os seus ‘destinos’. Não há colonialismos nem pós-colonialismos iguais. Cada qual tem de reconstruir, conhecer, simbolizar e integrar a sua própria história e definir sentidos possíveis de futuro. Também não há como não o fazer, pois o ‘destino’ que em comum nos coube, para o melhor e o pior, é um dado com o qual podemos e devemos pensar o futuro.

Mas o que será decisivo neste projeto é descolonizar a cultura, o pensamento, as práticas sociais, a política e a ciência: uma tarefa que cabe a colonizados e colonizadores, nas suas próprias culturas e sociedades, mas também nas relações que estabelecem hoje entre si (onde encontramos ainda todas as figuras de poder que a relação colonial institui, apenas agora multiplicadas e aplicadas em todos os sentido possíveis).

O Colonialismo traz a marca dos interesses de quem exerce e pode exercer o poder. Re-imaginar a Lusofonia impele-nos a trabalhar no sentido de descolonizar as relações ente países, entre comunidades recetoras e emigrantes, entre o norte e o sul, entre o mundo anglófono e o outro, entre o saber erudito e o saber comum, o saber sobre o homem e o conhecimento técnico.

É que, como nos diz Stuart Hall, «[…] a cultura não é apenas uma viagem de redescoberta, uma viagem de retorno. Não é uma ‘arqueologia’. A cultura é uma produção. Tem a sua matéria-prima, os seus recursos, o seu ‘trabalho produtivo’. Depende de um conhecimento da tradição enquanto ‘o mesmo em mutação’ e de um conjunto efetivo de genealogias. Mas o que esse desvio através dos passados faz é capacitar-nos, através da cultura, a produzir-nos a nós mesmos de novo, como novos tipos de sujeitos. Portanto, não é uma questão do que as tradições fazem de nós, mas do que nós fazemos das tradições» (Hall, 1999/2003:p. 44).

E que melhor inspiração do que esta para nos lançarmos no apaixonante projeto de re-imaginar a Lusofonia?

Maria Manuel Baptista
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Organização Liv Sovik; Tradução Adelaine La Guardia Resende. Belo Horizonte: UFMG, 2003.

Congresso: 
28, 29 e 30 de abril de 2014
Submissão dos trabalhos: até15 de outubro de 2013
Importante:
Para submeter os artigos, é necessário fazer um registo prévio. Para isso os autores devem seguir este link.

18.09.2013 | par herminiobovino | colonialismo, lusofonia, pós-colonialismo