IKU
IKU é um vídeo conto, escrito e narrado por Akabiru, a partir da construção do Bom Carácter, a sua importância como caminho a escolher, e o que isso implica. Aponta para o papel da Morte e do Ritual como parte deste processo. E a perseverança, com alguma moderação/humildade. Valores de um Omolúwàbí, pessoa detentora de um bom carácter.
Vemos alguém, interpretado por Akabiru, a filmar-se enquanto faz exercícios em séries de repetições à beira de uma nespereira, enquanto o conto é narrado em voz off. No final da narração, depois das séries do exercício, a personagem interpretada por Akabiru, abre um jogo de Capoeira, onde a mesma joga Angola com um ser invisível, terminando assim o filme.
Para além das personagens, uma interpretada por Akabiru, e a invisível com quem ele joga Angola no final, durante a narração do conto, ao tom de ilustração e a enquadrar o vídeo filmado de Akabiru a praticar exercício, aparecem em tela outras personagens/elementos alusivos ao conto narrado.
O conto escrito e narrado por Akabiru, é inspirado nos Ese dos 256 Odù do corpo literário de Ifá. Sendo Ifá uma arte divinatória milenar originalmente da África Ocidental, da cultura Iorubá, e inicialmente existente e transmitida via oral através do culto Orunmila Ifá, entre os iniciados.
Uma das particularidades dos Ese é a de serem compostos de forma definidamente estruturada dividida em oito partes, das quais quatro são obrigatórias e as restantes quatro opcionais. As partes obrigatórias são normalmente cantadas e do modo mais próximo possível da língua original, as restantes ficam ao encargo da liberdade criativa de cada Babalawo ou Iyanifá (pai ou mãe do segredo) dentro da sua iniciação. Para além da estrutura o estilo também é algo que define o Ese, nomeadamente a repetição dos versos de forma e num número específico, e o jogo de palavras. Estas particularidades representam e contêm a cifra dos 256 Odù que compõem o corpo literário de Ifá. Sendo este também a planta da cosmovisão e cosmogênese Iorubá, e na realidade a que se encontra espalhada por toda a África e parte do nosso mundo ancestral.
Este último apontamento é o argumento utilizado por Akabiru, que o leva a apresentar este trabalho artístico através da Buala, sob curadoria da Marta Lança, dentro do tema Metáforas do Futuro, o Pós do Pós. Sendo que o mesmo aponta para o lugar de algo que existe Além Pós, e que está codificado e assente na nossa Ancestralidade. Assim, a proposta do Ifá, e o Bom Carácter, ou Carácter Gentil (Ìwá Pèlé), como um blueprint da nossa, e para a nossa, Humanidade.
Akabiru explora estas questões visualmente através da repetição, demonstrando não só a perseverança e devoção como a importância de encarar a rotina de forma ritualística, no sentido de que o pequeno e simples acto tem um significado real e que, por mais pequeno que seja, pertence ao domínio do sagrado, o domínio da vida, logo, o domínio da morte, pelo nome o trabalho se intitula, IKU (morte). Ao mesmo tempo que o mesmo mostra uma certa evolução dentro destes ciclos repetitivos, onde o som ambiente de cada vídeo se vai sobrepondo ao do anterior, explicitando as várias camadas de um só caminho, em que umas vão ficando para trás dando lugar a novas, mesmo estas sendo muito semelhantes às anteriores.
No conto, a repetição dos versos agregam o desenvolvimento da história, que nos revela algo sobre o medo, o mistério da vida na Terra, e de como devemos ser humildes perante o mesmo, e encarar a morte como aquilo que nos mantém vivos, e que dá a possibilidades de algumas alterações, dando lugar a novas dimensões de ser. A Morte, ou o Morte, como é dito no poema, é uma entidade belas e fiel a Deus, pois não tem laços com mais ninguém. Logo, há uma necessidade de respeito para com o Morte, que a qualquer momento nos pode tirar a vida. Durante todo o conto, assistimos a uma troca de pronomes, a ênfase dá-se devido a Akabiru sentir que nos estamos a perder da essência e a preocupar-nos em reivindicar algo que essencialmente não nos define, especialmente quando em prol de uma validação externa. SI BU CA SIBI BU CAMINHU, KUMPU BOM MANERA. Se não sabes que caminho escolher, constrói bom carácter, é o que diz o prólogo deste pequeno filme. Independentemente de tudo, se trabalharmos o Bom Carácter, como indivíduos o caminho para todos será bem pavimentado. Talvez o problema seja também saber o que define um bom carácter, o que faz de alguém um Omolúwàbí. Mas IFÁ sabe assim como os nossos ancestrais, que nos transmitiram estas Metáforas de forma a assegurar o nosso Futuro, mesmo após os Pós do Pós - o Além Pós.
Uma curiosidade: Akabiru coloca esta transversalidade a uma ancestralidade que não é só Iorubá, sendo o conto em português, traduzido para criolo da Guiné-Bissau e usando no próprio conto imagéticas como a de um Ésu às costas de um Iran. Uma transversalidade também notória através das ilustrações presentes no filme, desenhadas e pintadas pelo artista.