Os artistas africanos não são uma espécie diferente

Na África do Sul, por esta altura, não se joga apenas futebol. Joga-se uma oportunidade única para chamar a atenção para um país e um continente. De 16 a 20 de Junho, enquanto na África do Sul se jogava à bola, do outro lado do mundo, na Suíça, decorria a mais importante feira de arte mundial – a Art Basel – e discutia-se, numa sessão com a dupla de artistas sul-africanas, Rosenclaire, e a directora da galeria sul-africana Goodman, Liza Essers, a arte da África do Sul e o mercado emergente africano. O Buala assistiu ao debate e fez um resumo dos prós e contras de a África estar na moda.

Mercado internacional 1 – Arte sul-africana 0

O que é que um coleccionador estrangeiro procura quando compra arte africana? Na África do Sul, artistas e galeristas, sabem o que tem saída: “arte sobre identidade e política”, como define a artista Claire Gavronsky, o que quer dizer, explica Rose Shakinovsky, a outra metade da dupla sul-africana Rosenclaire, que “os artistas sentem uma pressão para serem “africanos”.

William Kentridge & Greta Goiris, The Nose Ensemble Costume Maquettes, 2009  William Kentridge & Greta Goiris, The Nose Ensemble Costume Maquettes, 2009

Liza Essers, a jovem directora da histórica galeria Goodman, a única galeria sul-africana e a única galeria africana das cerca de 300 que participaram na feira Art Basel 2010, não tem dúvidas de que África é o novo mercado emergente. “O entusiasmo em relação à China e a Índia está a esmorecer e o Ocidente quer descobrir novos mercados de arte”, diz. Mas a procura exterior não explica tudo. A África do Sul não seria atraente se não tivesse uma oferta interna. Liza Essers também não tem dúvidas de que na África do Sul há uma “explosão de talento”.

E porque “os artistas africanos não são uma espécie diferente”, como diz Rose Shakinovsky,  residente em Florença, quando um sul-africano parte para Londres ou Nova Iorque, parte da mesma forma que um português ou um brasileiro: para aprender, evoluir, ser melhor artista. Os artistas sul-africanos, como os artistas portugueses ou brasileiros ou de qualquer nacionalidade, funcionam cada vez menos numa lógica de grupo, e cada um segue o seu caminho.

David Goldblatt, Willem Voster with friends, family, home and garden, Merweville, Western Cape (Triptych), 2009.

Mercado internacional 0 – Arte sul-africana 1

O perigo da pressão do mercado internacional não é um problema só para os artistas mas também para as galerias. O mercado tem crescido, a feira de arte de Joanesburgo realizou-se pela terceira vez em 2010, mas a euforia pode criar um efeito de “bolha”.

“Isso é um problema que me mantém acordada de noite”, confessou Liza Essers ao Buala, no final do debate na Art Basel. “Há muita gente a lidar com o interesse externo de forma irresponsável. Em vez de tentarem criar um mercado estável e de longo-prazo, há uma precipitação para vender, muitas vezes a preços excessivos”.

É por isso que um dos focos de Liza Essers, uma pequena mulher de cabelos longos e fortes, decidida e apaixonada, e que parece personificar a nova energia da arte sul-africana, é desenvolver um programa social. Durante o mês de Junho, alguns estrangeiros não estavam na África do Sul para ver o futebol. Era o caso de Jenny Holzer, a artista americana famosa por colocar frases ou mensagens em lugares públicos por todo o mundo. Em Joanesburgo, convidada pela galeria Goodman, distribuiu t-shirts – com slogans como “A soma das tuas acções determina quem és” ou “O trabalho de todos é igualmente importante” – por crianças sul-africanas que nunca tinham visto uma obra de arte, africana ou não, nem nunca tinham conhecido uma artista, africana ou não. Serão elas, um dia, os artistas ou curadores ou galeristas ou coleccionadores ou simplesmente o público de uma arte contemporânea africana menos dependente do Ocidente e confortável na sua pele.

Mikhael Subotzky, African Earth I, 2009, C-printMikhael Subotzky, African Earth I, 2009, C-print

 

por Susana Moreira Marques
Vou lá visitar | 29 Junho 2010 | Africa do Sul, Art Basel, arte contemporânea