Mulher

Fotografia de mulher com capulana, anterior a 1961, col particularFotografia de mulher com capulana, anterior a 1961, col particularComo acontece com tantos outros objetos, as fotografias viajam e circulam de mão em mão. Comprei esta fotografia em 2014 numa feira de rua em Lisboa. Ao fazê-lo, separei esta fotografia de outras feitas pela mesma pessoa, enviadas à mesma pessoa ou guardadas pela mesma pessoa. Tornou-se, assim, uma “fotografia encontrada”. Nada sei sobre ela a não ser aquilo está lá - na imagem de um lado, e no texto, do outro. Nada nesta fotografia nos remete para as coordenadas de espaço e tempo em que ela foi realizada. Mas o texto manuscrito nas costas da imagem, em formato de postal, e com aquela moldura branca, irregular, tão própria das fotografias de algumas décadas do século XX, já nos ajuda a transformá-la em “documento histórico”. As palavras de tinta azul que preenchem completa- mente o espaço afirmam que se trata de uma fotografia de uma mulher do norte de Angola. O texto está assinado por um Vítor e tem data de 15-11-1961 e, por isso, sabemos que o fotógrafo disparou a máquina fotográfica em Angola algures antes de 1961.

Mas existe outro elemento que nos remete para outros tempos e outros espaços: o pano que a mulher traz vestido reproduz um desenho de Winston Churchill, vestido de uniforme militar. O “V” de vitória aparece várias vezes no pano. Vitória dos aliados na II Guerra Mundial? Vitória dos britânicos na II Guerra Anglo Boer (1899) onde Churchill era um jovem soldado? Assim, o pano que a mulher angolana traz vestido remete-nos para outra região de África, outras cronologias, outros conflitos, e outro contexto colonial – o britânico e não o português.

A imagem parece preservar a subjetividade e individualidade das pessoas fotografadas, a mulher e a criança. Mas o texto manuscrito vem perturbar a imagem, transformando esta mulher, num“tipo”,representativode“todas” as mulheres do norte de Angola em relação às quais o “Vitor” faz um comentário racista. Muitas destas imagens foram feitas em contexto de grande desigualdade – étnica, social, sexual. Mas a dignidade humana e o olhar da mulher sem nome, e da filha ou filho que leva ao colo, desafiam as palavras manuscritas que carrega às costas.

 

Do catálogo da exposição Contar Áfricas ! 

por Filipa Lowndes Vicente
Vou lá visitar | 7 Fevereiro 2019 | colonialismo, Contar Áfricas, Fotografia, imagem, mulher