Luanda: Exposição-Feira de Angola 1938

Um episódio esquecido ou ocultado da história de Angola, e um magnífico álbum fotográfico sobre uma exposição colonial que permaneceu ignorada. O fotógrafo Firmino Marques da Costa escondido no pseudónimo C. Duarte; Vasco Vieira da Costa, funcionário aduaneiro e grande arquitecto antes de o ser; um governador geral que representa os interesseseconómicos dos colonos contra o centralismo de Lisboa,coronel António Lopes Mateus; e o democrata e autonomista Dr. António Gonçalves Videira, que discursou em nome dosseus “colegas”.

'Actividade Económica de Angola / Revista de Estudos Económicos - Propaganda e Informação.' [Exposição Feira de Angola], Ano III. Números 9 a 12 - Março a Dezembro de 1938, publicação trimestral. Ed. Governo Geral de Angola, Repartição de Estudos Económicos.180 pp. + 'gravuras''Actividade Económica de Angola / Revista de Estudos Económicos - Propaganda e Informação.' [Exposição Feira de Angola], Ano III. Números 9 a 12 - Março a Dezembro de 1938, publicação trimestral. Ed. Governo Geral de Angola, Repartição de Estudos Económicos.180 pp. + 'gravuras'Dois anos antes da Exposição de Mundo Português, realizou-se em Luanda uma muito grande Exposição-Feira que não ficou para a história colonial. Teve por objectivo exibir o desenvolvimento económico de Angola num “documentário expressivo e completo”, em lugar de encarecer o programa historicista e a mística imperial do regime, como era norma das exposições coloniais e ocorrera por exemplo em 1937 na Exposição Histórica da Ocupação, em Lisboa no Parque Eduardo VII. Era “uma demonstração geral das resultantes do nosso esforço colonizador em Angola” [nosso, dos colonos, entenda-se], que devia “obedecer a uma orientação vincadamente utilitária e prática… fazendo que aos assuntos de ordem económica seja dado relevo especial”, escreveu o governador geral coronel António Lopes Mateus (período1935-39), no preâmbulo da portaria que determinou o certame1.

Inaugurou-se por ocasião da visita do Presidente Carmona às Colónias em 1938, mas foi evidente que não foi esta a sua razão de ser. Com a Exposição-Feira quis-se dar resposta, representar ou dar corpo ao que eram as aspirações autonomistas contra o centralismo administrativo de Lisboa, sucessivamente manifestadas e reprimidas desde o início dos anos 1930.

O álbum comemorativo publicado pelo Governo Geral de Angola, certamente só para ofertas e escassamente destribuído, é uma produção fotográfica de excepcional qualidade e dá conta da adopção de programas arquitectónicos e decorativos que ilustram a monumentalidade moderna oficial mas também a melhor Art Déco portuguesa, e igualmente um surpreendente ecletismo experimental. Vasco Vieira da Costa, que veio a ser o famoso arquitecto modernista de Luanda (autor do mercado de Kinaxixe - de 1950/1952, destruído em 2008), foi o seu principal criador, ainda na condição de funcionário aduaneiro e desenhador, então identificado como chefe dos serviços técnicos e “artista de elevado merecimento”. As fotografias, atribuídas a C. Duarte, serão de Firmino Marques da Costa.2

A literatura que se ocupa das grandes exposições do regime costuma passar de Paris 1937 (com o pavilhão de Keil do Amaral) para Nova Iorque e S. Francisco em 1939 (de Jorge Segurado), e depois para Belém, em 1940, com as mesmas equipas de artistas-decoradores do António Ferro - é a abordagem arquitectónica e artística que sobre elas tem predominado. Ora Luanda 1938 pertence a outra história, que também não é a da exposição de 1934 no Porto - a 1ª Exposição Colonial Portuguesa, de Henrique Galvão - que veio a prolongar-se na pouco conhecida Secção Colonial da Exposição de 40, com o mesmo director -, nem a que esteve representada nos seus Pavilhões oficiais dos Descobrimentos, da Colonização e dos Portugueses no Mundo.

Luanda 1938 pertence a uma história recalcada pelo regime e também pelas suas oposições, mas que igualmente foi até agora ignorada pela historiografia recente sobre os colonos portugueses em África.3 Algumas escassas referências à exposição-feira surgiram em estudos sobre a arquitectura colonial, de José Manuel Fernandes e Ana Vaz Milheiro4, e sobre a Art Déco nacional, de Rui Afonso Santos5, mas o acontecimento tem uma dimensão relevante noutros domínios, a história político-económica de Angola e a da sua relação com a “metrópole”, bem como a história da fotografia e da edição fotográfica portuguesa. O seu interesse é absolutamente pluridisciplinar e justificaria o respectivo tratamento num alargado congresso bilateral (Angola-Portugal).

Pavilhão de Honra, projecto de Fernando BatalhaPavilhão de Honra, projecto de Fernando Batalha

interior do Pavilhão de Honra (arq. Fernando Batalha)interior do Pavilhão de Honra (arq. Fernando Batalha)

O álbum comemorativo é uma encruzilhada de surpresas e de incógnitas, sendo ao mesmo tempo muito escasso em informação e um testemunho de imenso valor, para além de ser um dos melhores “photobooks” portugueses, senão o melhor. Só confrontando o álbum com diversa outra bibliografia da época é possível tentar uma aproximação à importância do acontecimento. É o caso do Guia da Exposição-Feira de Angola (Edição da Agência Técnica de Publicidade - publicação considerada oficial pela Direcção do certame -, Luanda, 1938, 6 p.) e do Catálogo Geral Oficial (Luanda,1939, 122 p.), a que se somam em especial a revista Actividade Económica de Angola - Revista de Estudos Económicos - Propaganda e Informação, nºs 9 a 12, de Março a Dezembro de 1938 (“Exposição-Feira de Angola”), editada pela Repartição de Estudos Económicos do Governo Geral de Angola (178 p., mais fotografias em extra-texto e publicidade) e ainda o Boletim Geral das Colónias, vol. XV nº 163 (Número especial dedicado à viagem de S. Ex.ª o Presidente da República a S. Tomé e Príncipe e a Angola ), ed. Agência Geral das Colónias, 1939, 628 pags. (em especial as pp.45-75), este disponível em formato digital no portal Memórias de África e do Oriente.

A última foto do Álbum ComemorativoA última foto do Álbum Comemorativo

É só a revista Actividade Económica que identifica na sua última página de texto o nome de dois arquitectos com intervenção no desenho das construções do recinto (aí nomeados enquanto “outros colaboradores” dos responsáveis pela Exposição): “Fernando Batalha, autor do projecto de Pavilhão principal, cuja construção dirigiu; João Eugénio de Morim, autor dos projectos dos pavilhões oficiais da Província de Benguela, do Bar ‘Dancing’ e do monumento a Portugal Colonizador, (que) dirigiu a construção dos referidos pavilhões e monumento”. É sabido que Vasco Regaleira -Vasco de Morais Palmeiro (Regaleira), 1897-1968 - , foi autor do Pavilhão do Banco de Angola, com esculturas de Manuel de Oliveira (revistas Arquitectos nº 9, ed. SNA 4/6, 1939, p. 270; e Arquitectura nº 41, 1938, p. 18) - e o mesmo viria a construir a sede definitiva do Banco de Angola, um pastiche setecentista concluído em 1956 que é hoje ainda um ex-libris da capital do novo Estado.

Retrato SGL, Catálogo Geral OficialRetrato SGL, Catálogo Geral OficialDestas mesmas informações se poderá seguramente concluir que o chefe dos serviços técnicos Vasco Vieira da Costa foi o projectista ou em geral o responsável por grande parte dos pavilhões e pela concepção do espaço da feira e a sua decoração, em que a luz eléctrica, então chegada a Luanda, teve um papel central (e também o teve no álbum fotográfico). A diversidade estilística dos pavilhões e ‘stands’, conjugada com arespectiva qualidade e originalidade, sugere uma autoria única que tivesse percorrido diferentes sugestões construtivas num jogo muito livre de apropriações e referências, o que é absolutamente verosímil já que Vasco Vieira da Costa partiu logo depois para oPorto e a sua Escola Superior de Belas-Artes, onde tirou o curso de Arquitectura entre1940 e 1946.

Mas é também na mesma revista Actividade Económica que se publica o Plano de Fomento da Colónia de Angola, aprovado pelo Conselho do Governo em 1936, o qual vem a dar lugar à criação do Fundo de Fomento da Colónia apoiado num vultoso empréstimo que se aprovou em Lisboa já em 1938, ao arrepio da política de equilíbrio e austeridade orçamental até aí em vigor. Entre os vários documentos publicados, aí se regista a controvérsia suscitada durante o respectivo debate por uma defesa isolada dessa política de contenção centralista de Lisboa, contrária aos interesses dos colonos, enquanto toda a outra argumentação desenvolvida se identifica com os objectivos desenvolvimentistas explícitos de uma nova política assumida pelo governador geral coronel António Lopes Mateus - que fora ministro do Interior e da Guerra (de 1930 a 1932), activo na fundação da União Nacional, Comandante da PSP de Lisboa (1932-1935) e depois foi presidente do Conselho de Administração da Diamang e da Comissão das Colónias na União Nacional (década de 1940) -, um governador em consonância com os sectores económicos da Colónia que a Exposição-Feira veio expressar.

Um outro personagem singular desta história é o Dr. António Gonçalves Videira, republicano e autonomista, cunhado de Cunha Leal, um dos líderes dos colonos descontentes em 1928 e dos rebeldes em 1930, fundador e candidato do MUD em 19456. Foi ele que discursou “em nome dos seus colegas”(sic) na sessão de homenagem final ao governador.

No grande mapa central, 'Relações comerciais de Angola com alguns países', incluindo Portugal e São Tomé, América, Austrália, Ilhas Neerlandesas e Japão, AEF Africa-Equatorial Francesa, Congo Belga e União Sul Africana Índia Inglesa França Holanda Inglaterra Bélgica Roménia Alemanha Estónia e Noruega. Os outros gráficos Exportação  Importação, Balança Comercial e Comércio Geral Comércio Especial, seguirão o mesmo critério que pode entender-se do ponto de vista económico mas levanta problemas no quadro colonialNo grande mapa central, 'Relações comerciais de Angola com alguns países', incluindo Portugal e São Tomé, América, Austrália, Ilhas Neerlandesas e Japão, AEF Africa-Equatorial Francesa, Congo Belga e União Sul Africana Índia Inglesa França Holanda Inglaterra Bélgica Roménia Alemanha Estónia e Noruega. Os outros gráficos Exportação Importação, Balança Comercial e Comércio Geral Comércio Especial, seguirão o mesmo critério que pode entender-se do ponto de vista económico mas levanta problemas no quadro colonial

 

Vendo bem, bastaria esta imagem para interditar a circulação do álbum, como sucedeu noutras circunstâncias, e julgo que o seu responsável seria incomodado mesmo sendo uma figura grada do regime.

O álbum


Álbum comemorativo da exposição-feira de Angola. Luanda XCMXXXVIII. [na capa: Exposição-Feira de Angola, 1938]. Edição do Governo Geral de Angola (não creditada), 6 e [144] p. il. p/b). Fotografia (clichés): C. Duarte (Firmino Marques da Costa, n. 1910-?). Reprodução e impressão “Offset” da Litografia Nacional do Porto.

O álbum que encontrei em 2011 na feira de alfarrabistas da Rua Anchieta exibe um carimbo da Biblioteca da Universidade de Lisboa / Faculdade de Direito, e depois um outro que justifica o itinerário posterior: “Oferta da Biblioteca da Faculdade de Direito de Lisboa”, indicando certamente que a alienação não se fez com as urgências do pós-25 de Abril - mas foi antes ou depois? No interior contém ainda um cartão que identifica a “OFERTA da Direcção da Exposição-Feira de Angola (1938) LOANDA”. Mais tarde trouxe da montra de um livreiro antiquário outro exemplar, também carimbado: “Universidade de Lisboa, Faculdade de Sciencias, Biblioteca”, e destinei-o à Biblioteca de Arte da Fundação Gulbenkian. Um outro de que soube, no Porto, não tem carimbos, mas a hipótese de que a distribuição em 1938/39 tenha sido apenas para ofertas deve considerar-se.

Existem mais na Biblioteca Nacional, também no CIDAC e na Biblioteca da Universidade de Coimbra (estes dois indicados em Memórias d’África, em 26 de Fev. 2013). E outro na Sociedade de Geografia de Lisboa, que quando o procurei em 2012 não se encontrava registado na base de dados. Pelo menos estes.

O volume conta com sete folhas iniciais de rosto e de texto, este em 6 páginas (“Exposição-feira de Angola”), no qual se transcreve parte do preâmbulo da portaria de 16 de Outubro de 1937 (No 2 434) que anunciou a realização do certame por “determinação” do governador geral. “De há muito que o Governo Geral projecta a realização de uma exposição que seja um documentário expressivo e completo do desenvolvimento económico de toda a Colónia, da ocupação administrativa e técnica que nela se vem realizando, do constante avanço que nela se regista sob o ponto de vista social, em suma: de todos os aspectos da vida económica-social de Angola.” A oportunidade de a concretizar, diz-se, surgiu com a chegada da luz eléctrica a Luanda e com “uma notável melhoria da situação económica (que) permite encarar o futuro da Colónia com mais optimismo”. Atribui-se ao evento “uma orientação vincadamente utilitária e prática, procurando mostrar Angola tal como ela é”, com relevo especial para os assuntos de ordem económica.

É notório que não se diz que a exposição foi erguida para receber a visita presidencial, e apenas se aponta o facto de Carmona a ter inaugurado em 15 de Agosto. Pelo contrário, é particularmente relevante que se indique que a “ideia ganhou corpo” perante “a realização feliz da Exposição provincial de Nova Lisboa, levada a efeito em Setembro de 1935”. Esta não foi uma exposição sem significado político (comemoraram-se os 30 anos da cidade fundada por Norton de Matos) e o respectivo catálogo é um dos elementos a considerar na apreciação do certame de 1938, tal como é o da Exposição Colonial do Porto em 1934, fotografado por Alvão, que ilustra um outro modelo oposto de exposição colonial, esse “metropolitano”, marcado pela conjunção do nacionalismo imperialista e do exotismo. 

O início da apresentação refere que a ideia de realizar “uma exposição em que se documentassem… as manifestações de progresso económico e social” era “de há anos agitada na imprensa e discutida nas esferas oficiais”, tendo sido acolhida pelo governador e beneficiado depois a sua concretização da respectiva presença e acompanhamento activo, “sempre e em todos os sectores”. Os trabalhos iniciaram-se em fim de Outubro, sob a direcção do dr. Frederico Bagorro Sequeira, chefe da Secção Técnica Económico-Pecuária, que teve por adjunto Augusto de Almeida Campos, chefe da Repartição de Estudos Económicos, e “a chefia dos serviços técnicos foi confiada ao funcionário aduaneiro, Vasco Vieira da Costa, artista de elevado merecimento.” Este viria a ser - depois de ir fazer o curso de arquitectura ao Porto, 1940-46 - um nome de referência da modernidade angolana, e a sua intervenção em 1938 é um dos grandes motivos de interesse deste álbum. Foi uma exposição de técnicos e não de políticos.

De Outubro de 1937 a Abril de 1938, fizeram-se “estudo de projectos, preparação de terrenos, recolha de elementos estatísticos…”; de Abril a Agosto, obras de construção e montagem da Exposição. Na inauguração acompanharam o Presidente Carmona o ministro das Colónias Francisco Vieira Machado e o governador geral. Encerrou a 18 de Setembro, tendo sido visitado por 70 mil pessoas aproximadamente.

Destacam-se ainda na notícia o fogo de artifício e as “festas duma distinção invulgar” no bar-dancing, bem como a realização de quatro conferências no salão de honra do pavilhão principal (publicadas na revista Actividade Económica de Angola, excepto “A obra missionária de Angola”, pelo bispo de Angola e Congo Moisés Alves de Pinho) e também de eventos desportivos. Diz-se que “teve lá fora uma repercussão relativamente grande” (Metrópole e Colónias vizinhas), a qual se reforça com “o presente álbum” e com um minucioso documentário realizado pela Missão Cinegráfica às Colónias Portuguesas.

As ilustrações, os clichés de C. Duarte, sucedem-se como segue, não numeradas e em grande parte não legendadas, em secções de muito desigual extensão:

- “Aspectos da inauguração e da afluência de visitantes” (5 fotos. São, até às 3 imagens finais do bar-dancing, as únicas com público, havendo uma só excepção, alguns populares junto de um combóio)

- “Aspectos exteriores e interiores de diversos pavilhões e stands” (apenas 3 fotos, com discretíssimas presenças humanas, nomeadamente a insólita primeira imagem, uma vista geral com 2 crianças negras que atravessam o espaço à entrada da avenida principal - ver foto) 

- “Aspectos parciais diversos” (51 fotos não legendadas: espaços desabitados ou com escassas presenças, por vezes alguns negros isolados e prováveis trabalhadores)

- “Aspectos exteriores e interiores do pavilhão principal” (24) … a que se seguem sem separação outros “aspectos” legendados (48)

- “Aspectos exteriores e interiores do bar-dancing / Aspectos do fogo de artifício” (7 fotos, sendo 2 vistas exteriores, 1 de um jantar e 2 de baile e as 2 últimas do fogo, como se tudo aí se desvanecesse) 

São aspectos muito marcantes: 1. a quase permanente ausência de visitantes; 2. os espaços amplos, áridos e desertos, fotografados certamente de madrugada e antes da inauguração - é a documentação sobre o espaço geral, o construído e as decorações do recinto que interessa, bem como sobre os expositores e a informação exposta, para além do provável reconhecimento da qualidade fotográfica das imagens; 3. a longa deambulação do fotógrafo/visitante pelo espaço do certame, antes que surjam os primeiros pavilhões identificados pelas legendas; 4. a ausência de cenários históricos evocativos dos Descobrimentos ou referentes ao regime político (presente das Sala da Marinha e na da União Nacional), e a exaustiva presença de gráficos e quadros numéricos e estatísticos sobre a população e a economia da Colónia; 5. a ausência de imagens ou referências sobre Portugal ou a “metrópole” (mas há um exterior da Casa da Metrópole); 6. a presença da arte indígena (Pavilhão da Província de Luanda, exterior e interior; “Aldeia Indígena” no Pav. de Benguela, interior; Pavilhões de Arte Indígena da Província do Bié, outro de Malange, exteriores), mas é notória a ausência da exposição física de indígenas, nos “zoos humanos” habituais nas exposições coloniais; 7. a importância e a qualidade da fotografia e do grafismo, dos expositores e do mobiliário.

Note-se a alternância inicial de imagens diurnas e nocturnas do recinto, ao longo de 20 páginas, como que num efeito de iluminação intermitente, o qual assinala o acontecimento da inauguração da luz eléctrica permanente em Luanda. E nota-se o mapa dedicado às “Relações comerciais e Angola com alguns países”, entre os quais se inclui Portugal e São Tomé, a par da América, Austrália, África Francesa e Congo Belga, Índia Inglesa, França, Roménia, etc. É improvável que uma tal opção não tenha significado e que não tenha sido objecto de censura - é uma questão muito seriamente encarada em outras situações.

Posto emissor do Rádio Clube de Angola Posto emissor do Rádio Clube de Angola É óbvio que se optou no álbum por uma representação da Exposição-Feira através de imagens realizadas numa mesma oportunidade e por um mesmo autor, em vez de se associarem registos diversos e realizados ao longo do certame - o que seria justificável num álbum comemorativa. O fotógrafo deve ter trabalhado antes da inauguração ou logo em seguida, talvez com o recinto ainda encerrado, o que corresponde à urgência de alguém que acompanhava a visita do Presidente Carmona no quadro da Missão Cinegráfica. O editor do álbum preferiu a coerência formal deste trabalho, que deve ter sido deixado de imediato em Luanda, em negativos ou provas impressas, enquanto outros negativos seguiam para Lisboa, para a Agência Geral do Ultramar.

O uso do pseudónimo C. Duarte corresponde à circunstância da encomenda, paralela à presença do fotógrafo em Luanda como membro da Missão Cinegráfica, enquanto nos álbuns relativos à viagem presidencial, editados pela Agência Geral das Colónias (digitalizados em Memórias d’África - Universidade de Aveiro ), não são creditadas as fotografias. Como veremos, António Sena identificou Firmino Marques da Costa como autor da maioria das fotografias desses albuns numa exposição que realizou em 1987 na galeria Ether.

Indica-se no álbum de 1938 que a reprodução e impressão “Offset” foi da Litografia Nacional do Porto, a mesma casa que antes imprimira o Álbum Fotográfico da 1a Exposição Colonial Portuguesa, com 101 clichés de Alvão, fotógrafo oficial do Porto’34, apresentado pelo seu director Henrique Galvão. Os dois volumes são de um mesmo formato oblongo, ambos brochados e encapados com um cordão e sem cola, mas este é bastante maior, com 24 x 31 cm.

Se a informação escrita é escassa no Álbum Comemorativo, quatro publicações servem de referância a respeito de Luanda 1938, para além do Guia e do Catálogo Oficial do certame: o álbum de 1934 (Porto), o catálogo da exposição de 1935 (Benguela), a revista Actividade Económica de Angola, já referida, e o Boletim Geral das Colónias relativo à viagem presidencial.

O confronto dos álbuns, de 1934 e 1938, exibe a diferença da concepção das duas exposições, predominando numa a intenção política da afirmação colonial em modalidade imperial e a oferta do exotismo, enquanto a outra é um inventário dos recursos próprios da Colónia e a afirmação de uma dinâmica de desenvolvimento económico local, sublinhando-se sempre nas publicações anexas que tudo foi concebido e executado em Angola, com as suas autoridades, as associações e os artistas de Angola.(O Centro Português de Fotografia editou em 2001 o catálogo Porta do Meio - Exposição Colonial de 1934 - Fotografias da Casa Alvão, com textos de Maria do Carmo Serém)

O catálogo da primeira e única Exposição Provincial de Benguela e Feira de Amostras do Huambo - expressamente referida como precedente e exemplo na Portaria que determina a Exposição Feira (“a realização feliz da Exposição provincial de Nova Lisboa, levada a efeito em Setembro de 1935”) é edição do semanário “Voz do Planalto - Órgão de Defesa da Colonização Nacional Angola”, de Nova Lisboa. Está acessível à distância na University of Florida Digital Collections em (UFDC) - são contadas 112 págs. incluindo publicidade, e 21 cm. O certame assinalou os 23 (!) anos da fundação da cidade do Huambo pela “rasgada visão do futuro” do governador geral Norton de Matos (1912-15), depois alto comissário, em 1921-23 ( De Huambo / Wambu, um dos 14 antigos reinos Ovimbundo. Em 1928 o então governador Vicente Ferreira mudou o nome para Nova Lisboa e fez publicar em boletim oficial a designação da cidade como nova capital de Angola. Contudo, tal nunca passou do papel. - Wikipedia. Em 1975 voltou a ser Huambo).

O certame decorreu num período controverso da história de Angola, com as conspirações sucessivas de colonos em 1930, 33 e 34, em protesto contra o Acto Colonial e para “desligar a colónia da obediência à metrópole”, de que resultaria a expulsão de Paiva Couceiro de Portugal, noticiada por um “telegrama” no catálogo ( ver Fernando Tavares Pimenta, 2008, pp.161-65). É a exigência de “uma Angola activa na indústria, na agricultura, na pecuária, no comércio” que marca a imagem da exposição, bem como a “força e audácia” dos colonos, entre afirmações de descrença e de luta, movidos pela memória de Norton de Matos. (Henrique Galvão tinha promovido as Feiras de Amostras Coloniais de Luanda e Lourenço Marques, em 1932, em grande parte consagradas à apresentação de produtos da “metrópole”.)

elemento gráfico da revista 'Actividade Económica'elemento gráfico da revista 'Actividade Económica'É na revista Actividade Económica de Angola, num número especial (9 a 12, Março a Dezembro de 1938) de excelente grafismo, que se publicam o discurso de abertura da Exposição-Feira proferido pelo governador geral cor. António Lopes Mateus, bem como três das conferências do seu programa, com destaque para “A situação económica de Angola”, pelo dr. Moura Carvalho, e “Angola e o seu destino”, pelo dr.  Manuel Múrias, sendo a terceira sobre a indústria piscatória. E é particularmente importante a publicação do Plano de Fomento da Colónia de Angola com outros documentos que se lhe assiaram (Relatório justificativo e bases de aplicação, apresentados ao Conselho do Governo pelo governador geral; Acta da sessão do Conselho de Governo, em que foram discutidos o Relatório e as Bases, em Fevereiro e Março de 1936; até ao Parecer da Câmara Corporativa e ao decreto-lei de 16 de Agosto de 1938 que cria o Fundo de Fomento de Angola). Muitas das fotografias do Álbum Comemorativo repetem-se na revista (e só essas): “Aspectos da inauguração”; “Diversos aspectos parciais”; “Aspectos exteriores e interiores do pavilhão principal”; “Aspectos exteriores e interiores de alguns pavilhões e ‘stands’”. Uma página final indica os responsáveis pela Exposição-Feira de Angola, nomeando os arquitectos e artistas envolvidos.

Outra publicação decisiva é o imenso número especial do Boletim Geral das Colónias dedicado à viagem de Carmona. Aí se publicam relatos jornalísticos sobre a Exposição-Feira e discursos vários, com relevo para os da sessão de homenagem e agradecimento ao governador geral. É aí que toma a palavra “em nome dos seus colegas” o colono e activista democrático e autonomista Dr. António Gonçalves Videira. É um testemunho significativo sobre o contexto político do certame e da vida em Angola.

 

Continua….

 

 

 

  • 1. A portaria que determinou a iniciativa da Exposição-Feira é publicada da íntegra no Catálogo Geral Oficial (Luanda : [s.n.], 1939. - 122 p. : il. + 1 mapa), e o seu preâmbulo é parcialmentr transcrito no Álbum Comemorativo.
  • 2. Publiquei os primeiros comentários sobre o Álbum Comemorativo em http:// alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar/luanda-1938/ a 28/Agosto/2011 (1), ver depois outras anotações: Luanda 2 / Luanda 3 / e 28/Nov./2012
  • 3. Fernando Tavares Pimenta estudo detidamente o nacionalismo angolano e o autonomismo, em Brancos de Angola. Autonomismo e Nacionalismo (1900-1961), ed. Minerva Coimbra, 2005, e Angola, os Brancos e a Independência, Ed. Afrontamento, Porto, 2008, mas não refere a Exposição-Feira de 1938 nem aborda a acção do governador geral António Lopes Mateus (1935-39), ausente dos índices analíticos. Já a figura e a intervençao do Dr. António Videira é referenciada no segundo dos títulos entre 1925 e 1958, quando já falecido. O certame de Luanda também não é mencionada no texto final de Francisco Bethencourt, “A memória da expansão”, em História da Expansão Portuguesa, dir. F. Bethencourt e Kirti Chaudhuri, Círculo de Leitores, 1999, Vol. 5, onde se faz uma referência pormenorizada a situações de celebração da presença colonial em exposições nacionais (1934, 37 e 40) e internacionais (22, 30, 31, 37, 39). Tal como acontece no primeiro capítulo do mesmo volume, “O Império colonial salazarista”, de Yves Léonard, onde a política colonial e a sua propaganda (Porto 34 e Lisboa 40) são igualmente vistas detidamente apenas no espaço da “metrópole”.
  • 4. A Exposição-Feira de 1938 é referida por José Manuel Fernandes, em “Arquitectura e urbanisno no espaço ultramarino português”, in História da Expansão Portuguesa, Vol. 5, p. 353, apenas devido ao papel não esclarecido de Vasco Vieira da Costa. E de novo em Geração Africana, Arquitectura e cidades em Angola e Moçambique, 1925.1975, Livros Horizonte, Lisboa 2002, p.85. Ana Vaz Milheiro, em Nos Trópicos Sem Le Corbusier. Arquitectura Luso-Africana no Estado Novo, 2012, Relógio D’Água, 496 págs. refere-se ao pavilhão do Banco de Angola descrito na revista Arquitectura (pág. 165), e também ao Pavilhão de Arte Indígena, que “reproduz uma construção típica africana, fixando um tipo que se vulgariza nas sociedades metropolitana e colonial” (pág. 320), a partir de imagem da revista Actividade Económica de Angola, reproduzida na pág. 345, acompanhada pela atribuição interrogada ao arq. Fernando Barata, tal como sucede numa foto do respectivo interior (pp. 356-357). Mas certamente não se justifica essa atribuição.
  • 5. Rui Afonso Santos, in catálogo Art Déco – Colecção Berardo, What a Wonderful World!, Casa das Mudas, Madeira, 2010/11.
  • 6. Pimenta, 2008.

por Alexandre Pomar
Vou lá visitar | 18 Março 2013 | arte angolana, colonialismo, Exposição de Mundo Português