Livro + CD Diário do Deserto, referências para a viagem ao deserto do Namibe

A viagem, vendo bem, é o cruzamento de várias outras viagens ao deserto, de vários registos. Acho que a Cristina escolheu esta porque antes tinha lido o Ruy Duarte de Carvalho e ouvido o Samuel Aço, ambos profundos conhecedores do Namibe, e cativantes contadores de histórias sobre este canto do mundo. Os três partiram já para outras viagens, tão cedo. No filme e no livro sobre a viagem, aparecem não só a narração da Cristina sobre o deserto, como também outras incursões de grandes conhecedores de Angola em geral e do deserto em particular: o próprio Ruy Duarte de Carvalho, o Hildeberto (Betuca) Madeira, outro nome incontornável no Namibe, o Manuel Correia, angolano também, na altura director do IPAD que financiou a publicação do livro, a Cristina U. Rodrigues que fez a pesquisa bibliográfica. Sempre presente, a guiar em voz off, aparece o Samuel, as histórias dele, a descrição do Centro de Estudos do Deserto em Njambassana, no Curoca, que ele começou e que hoje está a ser continuado pela Teresa, outra pessoa que também esteve lá a participar nos momentos em que eram contadas as histórias que inspiraram a Cristina. E que contou também algumas e organizou tudo em Njambassana para podermos ficar, conviver, visitar. Depois há a fotografia do Jorge Coelho Ferreira, que também andou nas andanças da recolha de elementos, da viagem. Deu para fazer outro livro, o Namibe Vasto, sobre o qual Cristina Salvador escreveu no Buala. 

A viagem foi curta. Mas muito cheia de lugares, de gentes, de ideias. E muito espaço. Primeiro, a cidade, com novidades e recordações remotas e actuais para a Cristina. O encontro com um primo distante, com a arquitectura antiga e a nova, com uma cidade que se mantém e que se renova, com os traços quimbares. Depois, o deserto que se encosta ao mar e que percorre outros caminhos para o interior, surpreendentes. Caminhos de areia, abrigos de rocha no Omahua, rotas ancestrais. Os caminhos do deserto levaram-nos aos edificados da natureza, habitados por pessoas antigas no Tchitundo-Hulo, por pastores que continua a valer a pena visitar nos sambos. São percorridos por comerciantes, turistas e outros viajantes, que se encontram nesta ou naquela etapa. E são mais as surpresas na paisagem: vários oásis, as marcas da erosão do vento no Ocoai, a foz do Cunene. “A areia às vezes vem e tapa, mas mais tarde o vento limpa, até que a areia volte a tapar”.

A ideia de viajar pelo deserto já estava presente quando a Cristina se candidatou ao Prémio Fernando Távora, da Ordem dos Arquitectos Portugueses, a quarta edição, em 2009. Mesmo sem saber do resultado, convidou-nos para ir ao deserto, uma primeira incursão, a urgência e incontornabilidade do deserto. A concretização da ideia de fazer um filme e um livro confirmou-se quando ganhou o prémio, ainda nesse ano. Depois foi logo outra vez para o deserto, outra vez comigo e com o Jorge, com o Samuel e a Teresa, e uma série de outras pessoas que foram aparecendo na viagem, a Francisca e o Yona. Ainda nesse ano, em Matosinhos, fez-se uma conferência sobre o projecto e o prémio, onde também foi a Joana. O livro saiu no ano seguinte. A Cristina partiu no ano a seguir. O prémio, o livro, o filme, são sobre as formas de pensar o território, neste caso do deserto. Pensamentos que, sem dúvida, são aquilo que faz um arquitecto. Mas a Cristina também queria fazer esta viagem para tentar “o encontro entre os mitos do deserto e os antepassados que me habitam e os mitos e os antepassados que habitam aquele deserto”. Uma viagem em todos os sentidos, muitas direcções.

 

Dia 11 de dezembro 18h - Galeria Quadrum, inserido no ciclo Paisagens Efémeras 

Lançamento de Livro + CD Diário do Deserto (Cristina Salvador) | Paisagens Propícias (João Lucas), ed. Mia Soave. Apresentação por Ana Bénard da Costa 

Uma arquiteta, um músico, o deserto do Namibe e Ruy Duarte de Carvalho – eis as confluências que permitiram chegar à publicação do 4º título da editora Mia Soave (livro + cd). Cristina Salvador estudou no terreno “o encontro e as trocas entre comerciantes e pastores” e “a troca de pesquisas antropológicas, económicas e espaciais” (Prémio Fernando Távora, 2009) naquele território, que é considerado o deserto mais antigo do mundo. Daí resultou o livro-filme Diário do Deserto. Poucos anos depois, a convite da Companhia de Dança Contemporânea de Angola, o músico João Lucas visitou o mesmo deserto com o propósito de conhecer um dos principais objetos de estudo de RDC: a população Kuvale e a geografia que lhe serve de morada. Daí resultou o cd Paisagens Propícias que aqui se junta ao livro. Lendo e ouvindo é como se visitássemos pastores, criando em nós uma empatia com a rudeza das suas condições de vida e a largura dos seus horizontes.

 

por Cristina U. Rodrigues
Ruy Duarte de Carvalho | 6 Dezembro 2015 | Cristina Salvador, deserto, Diário do Deserto