Onde está Suleiman? Rabih Mroué, Looking for a missing employee

COIL FESTIVAL 2012, Performance Space 122 (PS122), Nova Iorque

 

 

No final ninguém bateu palmas.

Uma das situações mais tensas que, até hoje, vivi enquanto espectadora.

Mas também…. bater palmas a quê?

Aos três ecrãs em palco? Ao desenlace brutalmente trágico da história de Suleiman, o empregado desaparecido, que a ausência em palco de Rabih Mroue reforça?

Production still from Rabih Mroue's 'Looking for a Missing Employee' Photo by Ves Pitts, Rabih Mroue (video image)Production still from Rabih Mroue's 'Looking for a Missing Employee' Photo by Ves Pitts, Rabih Mroue (video image) 

Suleiman apareceu morto numa montanha nos arredores de Beirute, uma morte brutal, corpo cortado aos pedaços, com partes inteiras dissolvidas em ácido. Sabemo-lo por via do vídeo final, uma cópia em VHS do que na altura passou na televisão libanesa, onde o empregado encarregue de lavar o corpo conta à população o que sentiu, as suas dificuldades, como não havia quase nada para limpar. Um fim brutal.

 

Depois deste vídeo voltamos a um texto que apareceu no início:

“Este espectáculo não pretende contar a verdade… entre verdade e mentira, realidade e ficção vai a distância de um cabelo…” um longo texto que acabava com um poema, não me lembro de tudo… mesmo a frase transcrita não estará exacta, com certeza…

 

E, no entanto, Looking for a missing employee de Rabih Mroué não é um espectáculo nada pesado e está cheio de momentos de humor.

 

Com um dispositivo muito simples  - composto por dois ecrãs grandes à boca de cena, um de cada lado de uma secretária virada para nós, também à boca de cena, onde, em vez de Rabih Mroué, está “sentado” na cadeira um ecrã pequeno onde a sua imagem aparece projectada – a história do empregado desaparecido é-nos contada a pouco e pouco, através de dois cadernos onde Mroué colou recortes da imprensa relativos ao caso.

Production still from Rabih Mroue's 'Looking for a Missing Employee', courtesy of the artistProduction still from Rabih Mroue's 'Looking for a Missing Employee', courtesy of the artist 

Rabih Mroué, sentado na plateia, no meio do público, aparece assim projectado na secretária à nossa frente, como se estivesse, de certo modo, sentado nela. As suas mãos estão a ser filmadas em tempo real por uma rapariga de câmara na mão, de pé, ao seu lado, também na plateia, que nos apresenta grandes planos dos cadernos que são folheados no ecrã à direita.

No ecrã à esquerda aparece projectado um esquema que vai sendo construído em tempo real por outro performer também na plateia, a desenhar com marcadores num quadro branco. A voz de Mroué vem de entre o público, e tem quase o peso de um testemunho.

O carácter artesanal da filmagem e do desenho, e a proximidade da voz, fazem com que, se a início estranhamos não haver ninguém em palco e nos viramos várias vezes para trás para ver o que está a acontecer “ao vivo”, cedo desistamos disso e nos concentremos no que está a ser contado e em como está a ser contado.

Há uma narrativa performativa, diferente de noite para noite e irrepetível que nos é dada com estes meios: desenho, filmagem em tempo real, improvisação de Mroué sobre recortes de imprensa. E está a acontecer ao vivo, mesmo que à nossa frente tenhamos apenas ecrãs - como Mroué e o povo libanês que, para entender a história de Suleiman, só têm a imprensa, um media.

Production still from Rabih Mroue's 'Looking for a Missing Employee' Photo by Ves Pitts, Rabih Mroue (video image)Production still from Rabih Mroue's 'Looking for a Missing Employee' Photo by Ves Pitts, Rabih Mroue (video image) 

A história de Suleiman começa com Mroué a ler-nos o primeiro recorte de imprensa onde a mulher de Suleiman dá nota do desaparecimento do seu marido.

Mroué explica-nos ter tido, a dada altura, um certo fascínio por pessoas desaparecidas  - “para onde irão elas, que lhes acontecerá num pais tão pequeno como o Líbano?” E ter começado então a coleccionar recortes de imprensa relativos a estas pessoas, tendo sido assim que se cruzou com o caso de Suleiman, um empregado do Ministério das Finanças, desaparecido em 1996. Mas a história assume contornos rocambolescos, cruzando-se com um crime de falsificação de selos e o desvio de uma suposta enorme quantia de dinheiro do Ministério.

Production still from Rabih Mroue's 'Looking for a Missing Employee', courtesy of the artistProduction still from Rabih Mroue's 'Looking for a Missing Employee', courtesy of the artistNotícia após notícia, o que vemos desenrolar-se à nossa frente é o caos da governação em geral (e da governação do Líbano nos anos 90 em particular), a corrupção generalizada, a brutalidade policial, o comprometimento dos governos estatais com crimes graves (neste caso, uma das principais testemunhas é morta à queima-roupa pela polícia). Isto para além do sensacionalismo e da falta de rigor da imprensa (há vários episódios cómicos, como, por exemplo, uma reportagem tablóide que retrata Suleiman enquanto bon-vivant).

No quadro à esquerda, onde, em vão, o desenhador tenta colocar em esquema as várias informações dadas pela imprensa, amontoam-se dados contraditórios, pormenores caricatos, especulações várias… dando a entender de forma gráfica a confusão generalizada e a falta de seriedade tanto da imprensa como dos políticos, instados a prestar declarações sobre tudo o que o caso do desaparecimento de Suleiman envolveu (desaparecimento, roubo de dinheiro, selos falsos, assassinatos… mas também tensões políticas com Israel, Síria, populações inteiras).

 

Através da história de Suleiman, Rabih Mroué, este ano artista convidado da DOCUMENTA e pela primeira vez em tournée nos Estados Unidos traça, com uma enorme seriedade e uma não menos grande ironia, um excelente retrato do Líbano e do mundo em que vivemos.

Production still from Rabih Mroue's 'Looking for a Missing Employee', courtesy of the artistProduction still from Rabih Mroue's 'Looking for a Missing Employee', courtesy of the artist 

E se formos a ver, no dispositivo cénico já está tudo:

O desaparecimento do corpo como premissa. A proximidade do testemunho que nos é dada pela voz (carácter de testemunho que o espectáculo também tem). Alguns pedaços de real apresentados como ficção (os recortes de imprensa, a exploração sensacionalista do caso, a construção da personagem Suleiman pelos jornais).

Este espectáculo é de 2003 e, a pedido da família do empregado desaparecido, só foi apresentado duas vezes no Líbano. 

 

Rabih Mroué já esteve várias vezes em Lisboa: Mais informações aqui

 

Mais informações sobre o COIL Festival aqui

por Ana Bigotte Vieira
Palcos | 11 Janeiro 2012 | Líbano, performance, Rabih Mroué