Manu Dibango, o lado feliz da vida

Manu Dibango festeja em 2007 os seus cinquenta anos de carreira. No entanto, conserva o mesmo entusiasmo e a mesma alegria dos seus 20 anos! A prova é que continua a lançar discos, a seguir uns aos outros: Lion of Africa (Nocturno) e, alguns meses antes, Manu Dibango joue Sidney Bechet (Cristal Records). Este último está entre as 10 melhores vendas de CD de jazz em França desde o seu lançamento e o título «Petite fleur», que ele reinterpreta, é a canção francesa mais difundida desde abril de 2007 em todas as rádios do mundo inteiro!

Estávamos no seu concerto-aniversário de 20 de março de 2007 no Casino de Paris: sala repleta, espetadores de todas as idades e de todas as condições - Manu não pertence a nenhum grupo. Encontrámo-lo nos estúdios de África nº1, em Paris: o grande artista, nascido nos Camarões, apresenta aí todos os domingos, desde 2001, uma emissão consagrada aos artistas africanos, conhecidos ou que estão a começar. Um belo ato de generosidade de um homem que, tendo progredido na vida, quer estender a mão aos outros. Passámos uma hora a conversar com um homem feliz por viver, melhor: alegre! - e que conserva o mesmo entusiasmo e a mesma alegria dos seus 20 anos!

Que balanço faria dos seus 50 anos de carreira? No seu livro*, diz ter nascido com «sorte”, mas conta também muitas situações duras…

Manu Dibango : Quando uma carreira é longa, ela é forçosamente feita de altos e baixos: há bons e maus momentos. O essencial, é que eu sobrevivi a todas essas dificuldades. Começas por ser um pequeno músico, a seguir, se tens sorte, tornas-te um pouco mais conhecido, depois maestro, depois arranjador, depois acompanhador de grandes artistas. Depois, de músico tornas-te artista - foi o que me aconteceu com “Soul Makossa” em 1973. Por isso eu tive sorte. E antes disso, tive a sorte de vir para França, de ter nascido numa família que tinha meios de me pagar estudos na metrópole. E a sorte dos meus pais me pagarem aulas de música. Eram pais que me amavam. Se podes viver pela tua paixão e trabalhar nela, isso é a felicidade. Mas atenção à palavra felicidade: há muitos espinhos na felicidade. É preciso compreender o que é ter sorte: custa cara, a liberdade.

Em 1973,”Soul Makossa” torna-se um sucesso mundial. No seu livro, diz que o seu produtor de discos de então, Decca, nem podia acreditar que um Africano pudesse ser um sucesso mundial. Hoje, vários artistas africanos são estrelas mundiais…

Manu Dibango : Isto de que falo, faz parte de toda uma época de incompreensão. Hoje, isso acabou: há muitos artistas africanos conhecidos Salif Keita, Mory Kanté, Angélique Kidjo, Richard Bona… Há uma cena musical africana. Mas há trinta anos, isso era uma utopia. As pessoas riam na nossa cara. Eu tinha um físico à americana, tocava saxofone, porque não tomar um nome artístico americano? Não era bom ser negro nessa época. O negro bom era aquele que vinha de Nova Iorque, de Harlem, não o que vinha do Mali ou de Ouagadougou. Esses não contavam. Foi preciso destruir esses preconceitos, e não foi fácil. Quando me estreei na televisão em França, nos anos 60, só havia Henri Salvador como artista negro, era exotismo…

A sua relação com África é feita simultaneamente de amor e de deceção - quando volta a viver lá, sofre invejas, feitiçarias…

Manu Dibango : Há rasteiras em todas as profissões, é frequente! Eu expliquei-as como provenientes de pessoas fracas, que se limitam a isso e que choram. É verdade que não era fácil ser artista em África: antes, nenhum filho-família se podia tornar desportista nem músico, porque eram profissões de saltimbancos. Mas agora é diferente, porque uma pessoa diplomada pode não ter emprego enquanto os desportistas e os músicos ganham a sua vida! E depois há um conformismo terrível em África. Tu, enquanto pessoa, não contas: é a etnia que conta. Estás numa bolha negativa, porque não podes falar em teu próprio nome: falas em nome da etnia. E é terrível, isso não desenvolve o individualismo, a iniciativa, a criatividade. É preciso que toda a gente esteja alinhada!

Que retira da sua emissão em África Nº1?

Manu Dibango : Muito prazer. É importante saber o que se passa. Sou da minha época, não posso viver apenas de recordações. Por isso, ali, eu sei o que os jovens ouvem, aquilo de que gostam. Há sempre muito a aprender com jovens. E estou ao corrente de tudo o que se passa: não preciso de ir comprar todos esses discos que chegam até mim! Atualmente, há muitas coisas que saem na cena musical africana. E muita criatividade.

Para celebrar os seus 50 anos de carrreira, lançou um álbum de composições de Sidney Bechet. Porquê esta homenagem a Sidney Bechet? O senhor conheceu-o?

Manu Dibango : Sim, ele vivia aqui, estava casado com uma Francesa. Tocava no Vieux Colombier e, no intervalo, íamos falar com os músicos. Para os Negros americanos, não era fácil nos Estados Unidos. A França aceitava os Negros. Os Franceses gostavam de jazz. No que diz respeito a Bechet, foi ele quem pôs num lugar de honra o saxofone soprano. Antes, era um instrumento que só se utilizava nas fanfarras. Ninguém tocava saxofone soprano numa orquestra de jazz. Ele utilizou-o e fez dele o que fez. Tive a sorte de ter conhecido toda essa gente nos anos 50: Juliette Gréco, Boris Vian, os Frères Jacques, Mouloudji; havia poetas e todos aqueles músicos de jazz que vinham, alguns instalavam-se aqui, os Clarke, os Bill Coleman qui estiveram na origem do jazz em Marciac…

No seu álbum, a canção “Petite fleur», pela sua emocionante letra, parece ter sido escrita por si…

Manu Dibango : É uma letra! Você pode habitar numa canção, uma canção pode habitar em si. A letra é bela, cabe-lhe a si senti-la.

 

Entrevista publicada originalmente em AFRIK.COM

Translation:  Maria José Cartaxo

por Nadia Khouri-Dagher
Palcos | 28 Março 2012 | music, musica africana