África continua em destaque no Festival Babel Med Music de Marselha

A 8ª edição do festival de músicas do mundo Babel Med Music, que se desenrolou de 29 a 31 de março em Marselha, confirmou o lugar que África ocupa no coração do público francês e europeu, amantes das músicas do mundo. Porque Babel Med Music não é apenas um festival de música, é também um mini-MIDEM consagrado integralmente às músicas do mundo. Reunindo 2500 profissionais vindos essencialmente da França e da Europa, para «fazer o seu negócio» e descobrir, quer nos concertos programados quer nos stands da feira profissional que reúne marcas, agentes e outros atores, artistas para programarem nos seus festivais e salas de espetáculos.

Este ano Babel Med Music prestava homenagem a dois monstros consagrados do continente: Mory Kanté e Bonga, com os quais tivemos o prazer de conversar, homens que conservam toda a energia e o bom humor dos seus vinte anos, apesar de terem já ultrapassado largamente os sessenta. Mory Kanté regressa em plena forma, oito anos depois do seu último álbum, com uma nova composição “La Guinéenne” com a qual pretende prestar homenagem às mulheres do seu país, mas também, através delas, a todas as mulheres. Estava muito feliz por nos poder falar do nascimento do Centro Cultural , num bairro de Conacri que acaba de construir e que doravante ostentará o seu nome – Morykantea! - centro que alberga inclusivamente estúdios de gravação e uma sala de espetáculos de 2400 lugares e que se destina a ser simultaneamente um centro de formação de profissionais de música e uma sala de concertos para os artistas do continente. 
Bonga incendiou a sala, no sábado à noite, com um concerto memorável que viu o público dançar sem parar ao ritmo do semba e de outros ritmos angolanos. Artista comprometido, Bonga lutou durante muito tempo pela independência do seu país, Angola, que só aconteceu em 1975. Hoje continua a denunciar as injustiças que o seu povo vive, saído do jugo dos colonos para o de uma classe de ricos que explora os recursos fabulosos do país.

Os outros artistas africanos que faziam parte do programa eram, como pretende o festival, grupos por vezes conhecidos localmente, mas ainda desconhecidos a nível internacional, ou ainda artista que vivem em França, e nomeadamente na região de Marselha, porque Babel Med Music também tem por vocação dar a conhecer os artistas da região Provença-Alpes-Côte d”Azur (PACA). Região que é um verdadeiro viveiro para as músicas do mundo, quer pela sua história de acolhimento de populações vindas do sul (Espanha, Itália, depois África do Norte e actualmente África subsariana, Ásia, etc.) quer pela vontade dos poderes públicos - Região, cidade de Marselha, instituições públicas especializadas, etc. - que encorajam vivamente estas músicas mestiças, reflexo da mestiçagem pacífica das populações da região. 
Badume’s Band, vindo da Etiópia, ofereceu-nos assim durante uma hora um espetáculo impressionante de jazz étnico, à volta do dueto constituído pela cantora Selamnesh Zéméné e pela bailarina Zenash Tsegaye. Esta última apresentou-nos nomeadamente, numa série de trajes étnicos muito variados e muito coloridos, uma amostra das danças do seu país, em que a sensualidade oriental se funde com a energia africana sem qualquer obscenidade e em que o corpo é solicitado na sua totalidade - movimentos do pescoço, da cabeça, dos ombros, etc. - numa gesticulação animada que, por vezes, atinge o transe…e que, consequentemente, transmite este transe ao público!

O Marselhês Ba Cissoko, que acaba de lançar um álbum notável, ao qual dá um ar de rock e de energia de tipo Kora, pôs igualmente o público em ebulição durante o seu concerto. A Tunisina Emel Mathlouti veio cantar as canções que começou a compor muito antes da queda do regime tunisino, e nas quais interpelava, em árabe tunisino, o ditador: «podes bater-me, podes matar-me, mas tu vais morrer e as minhas canções vão permanecer…» A tão Sul-Africana como Marselhesa Sibongile Mbambo ofereceu-nos canções na sua língua natal, o khosa, baladas suaves inspiradas no folk anglo-saxónico, à maneira da Asa, outra jovem estrela africana de um país anglófono

Tyeri Abmon, em trio, fez uma apresentação muito sóbria de maloya, música criada na ilha de Reunião, à base exclusivamente de vozes e de percussões porque antigamente se proibia que os escravos fabricassem os seus instrumentos de música. O Maloya foi um género proibido durante séculos, que viveu na clandestinidade, mas que - bela vingança da História! - pertence doravante - desde 2009 - ao Património imaterial da humanidade…

Chegados da Guadalupe nessa mesma manhã, os membros do groupe Soft, célebres na ilha pelas suas canções de intervenção nas quais denunciam tudo o que lá não funciona, provaram-nos à sua maneira - e a mil léguas geográficas de Bonga! - que os ritmos e o bom humor são uma excelente arma para fazer passar as mensagens que não são politicamente correctas e mobilizar consciências…

O caboverdiano Tcheka e a sua guitarra, o Comorense Bo Houss com o seu hip hop, o marselhês Imhotep (pseudónimo de Pascal Perez, nascido em Argel, e pilar do grupo de rap IAM), o trio franco-maliense de Electro-Bamako, e o electro-rock saraui do grupo Temenik Electrik: apenas a maliense Khaira Arby faltou à chamada, retida por causa do encerramento dos aeroportos, dado que o seu país acaba de conhecer um golpe de Estado: a História e a política mais uma vez apanharam o festival Babel Med Music que, infelizmente, já viu demasiados artistas serem retidos por não terem conseguido um visto ou por tumultos nos seus países…

Três dias de bons concertos, mas também, nos corredores da feira, três dias de encontros com apaixonados de música do mundo - e não apenas de música africana. Como Gilles Frucheaux, diretor da pequena marca BUDA Musique, cuja coleção de músicas da Etiópia «“Ethiopiques”, best-seller na exportação, nomeadamente para os EUA e para o Japão, já vai no seu 27º volume! Como a Marroquina Bouchra Hbali, estabelecida em Bruxelas, ou a Argelino-alemã Ourida Yaker estabelecida em Paris, ambas agentes de alguns artistas do Magrebe e do Mediterrâneo, representativas das centenas de pequenas estruturas que defendem estas músicas de outros lugares que vivem essencialmente à margem das grandes marcas. Como a equipa de Safoul productions, equipa de senegaleses apaixonados, que é agente de vários artistas africanos - porque hoje em dia já não são apenas os «Brancos» que se ocupam dos artistas africanos! Como os laureados dos “Coups de cœur Musiques du monde” da Academia Charles Cros, tais como realizadora Izza Genini pela sua coleção de DVD sobre a música marroquina ou - que deviam ter estado lá - o Belga Jos Gansemans pela sua “Anthologie de la musique congolaise” (RDC), série de 11 CD realizados pela pequena marca Fonti Musicali com o Museu real da África central na Bélgica, ou a antropoóloga Dana Rapoport pelo seu livro-DVD consagrado aos cantos Toraja na Indonésia. E não podemos nomear os outros 2000 participantes profissionais…!

No próximo ano, Babel Med devia abrir-se ainda mais, inclusivamente para os seus encontros profissionais, ao jazz e às músicas atuais. Ao primeiro, porque os casamentos músicas do mundo/jazz são cada vez mais frequentes - o jazz é já, pelo seu ADN, membro da família «músicas do mundo»*! E às músicas atuais - hip hop, rap - porque são elas que uma grande parte da juventude do mundo ouve hoje em dia, inclusive nos países do Sul.

Translation:  Maria José Cartaxo

por Nadia Khouri-Dagher
Palcos | 11 Maio 2012 | África, Bonga, Festival Babel Méd Music, Mory Kanté, músicas do mundo