O coronavírus e as memórias do fim do mundo

O coronavírus e as memórias do fim do mundo O sentimento de vulnerabilidade partilhada que hoje vivemos, enredados na crise encetada pelo coronavírus, interroga-nos, também, sobre os limites da nossa memória para democratizarmos o nosso passado, descolonizando as hierarquias raciais, coloniais e patriarcais que definem o que é alheio. Na “lembrança minha” deveria lembrar-me de inúmeras histórias de fim do mundo, histórias há muito testemunhadas por aqueles e aquelas para quem a COVID-19 é apenas mais episódio de uma continuada exposição à desigual distribuição da precariedade.

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29.03.2020 | por Bruno Sena Martins

Fazer parte da imagem

Fazer parte da imagem Às vezes, é preciso um momento ou um episódio catalítico para pôr em relevo de modo articulado uma série de pensamentos e ideias, um pouco como quando olhamos para as estrelas uma a uma por um longo período de tempo; apreciamo-las no seu carácter único e, no entanto, não reparamos na constelação que elas formam em conjunto; depois, uma rápida modificação da nossa posição permite-nos uma perspetiva diferente e as conexões vêm à luz.

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14.03.2020 | por Federica Angelucci

A ausência: o material da memória

A ausência: o material da memória A ausência presentifica-se e a obra funciona como um elemento performativo de memória que retém o que, de outro modo, não se fixaria e se perderia. Nada de melhor para mostrar que a arte da memória, no modo como Boltanski a pensa e constrói, é memória, por si só. Conhecer o seu funcionamento é preservá-la do apagamento. Eis a lição que Christian Boltanski nos reserva em todos os recantos de uma obra imensa. E que, literalmente, faz o tempo.

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07.03.2020 | por Roberto Vecchi

Apesar de você

Apesar de você A partir destas duas paisagens vividas de um Brasil que exclui da cidadania grande maioria da sua população, Geovani Martins e Ailton Krenak colocam todas as perguntas sobre a possibilidade de um outro Brasil que se aguarda. Um Brasil em que, na era dos computadores, um jovem favelado como ele não tenha mais de escrever um livro como este numa máquina de escrever que a mãe comprou numa feira de velharias. Mas este gesto – tal como o de Ailton Krenak, em 1987, na Assembleia Constituinte – revela-nos uma energia imparável, e a confiança que dela recebemos permite-nos acreditar na “comunidade que vem”, “apesar de você”, apesar de tudo.

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04.03.2020 | por Margarida Calafate Ribeiro

Soberania intelectual

Soberania intelectual Descolonização é um processo de desconstrução de conhecimentos, de uma epistemologia maioritariamente europeia que sempre teve uma vocação universalista, existente tanto na Academia como no espaço público, que implica não só os africanos que vivem em África e os que constituem as diásporas, como também os europeus que vivem na Europa ou são imigrantes em países ex-colonizados.

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22.02.2020 | por António Pinto Ribeiro

De Trump ao cão-tinhoso: notas sobre a besta, o ser humano e outras (in)versões

De Trump ao cão-tinhoso: notas sobre a besta, o ser humano e outras (in)versões Com o amparo de mecanismos de natureza jurídica, científica ou artística, a exploração da diferença tem sido, desde sempre, uma das vias mais seguras para o exercício da dominação. Por penetrar no cotidiano ao ponto de criar uma ilusão de espontaneidade, esta prática engendra uma “estrutura de sentimento” (1) cujos efeitos são perversos e duradouros. Ao reformular pautas, algumas muito antigas e outras nem tanto, o mundo de hoje reconstrói o cenário excepcional do “campo”, além de inventar outros que, por serem móveis e líquidos, poderiam ser chamados de “mares de concentração”. Ergue ainda novos muros, em cima dos quais algumas lideranças se sentam para observar a agonia continuada de indivíduos em situação de risco e sem qualquer dispositivo legal ou político que leia o seu caso.

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21.02.2020 | por Nazir Ahmed Can

Reviver a Guerra do Pai: o fim da violência?

Reviver a Guerra do Pai: o fim da violência? Nas obras literárias da pós-memória, a figura do pai ausente é recorrente quando se quer abordar a questão da persistência do trauma pós-colonial nas gerações seguintes. Em Portugal, o romance Estranha Guerra de Uso Comum, de Paulo Faria, constitui talvez o exemplo mais significativo deste diálogo post-mortem à volta de um inquérito sobre a transmissão da experiência da guerra do pai para o filho. Contudo, neste conjunto de obras, há alguns casos em que o filho decide, através da escrita, reviver o passado traumático do pai desde o interior, num enredo que descreve com pormenores o tempo dos combates do progenitor. Nestes casos, o narrador privilegia os cenários do passado bélico para contar a guerra do pai como se ele estivesse no seu lugar.

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19.02.2020 | por Felipe Cammaert

Rituais de uma memória fraturada

Rituais de uma memória fraturada A memória fraturada irlandesa mostra outros contextos de memória dilacerada e conflituosa em que, do trânsito geracional, pode emergir um lugar de elaboração comunitário com as gerações testemunhais e além delas. E pode também emergir um outro modo que permita ultrapassar a escassa moralidade da memória e, assim, fundar, através de rituais renovados, uma ética coletiva das relações memoriais que mostre como o uso do passado fraturado deve ocorrer a partir de um sentido de responsabilidade público e não privado, presente e não passado.

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28.01.2020 | por Roberto Vecchi

La grande bellezza: breve apontamento sobre a cultura, hoje

La grande bellezza: breve apontamento sobre a cultura, hoje O problema é que dentro de um sistema desse tipo, poucos e quase nada exercem um verdadeiro ofício crítico útil para a sociedade, vindo-se assim a esgotar qualquer função civil da cultura. Acaba assim por se construir na cena cultural uma contra-narrativa apenas superficial do populismo e do racismo reinante, que exerce uma função auto-reconfortante alimentada pela constante autopromoção do que se escreve, se filma, se pinta, se encena etc.

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27.01.2020 | por Lívia Apa

As “guerras das estátuas” e a cor da memória

As “guerras das estátuas” e a cor da memória A suprema fantasia seria pensar, ingenuamente, que o reconhecimento do sangue negro na base de nações-imperiais e pós-imperiais pudesse cumprir-se deixando no mesmo lugar as pedras que sustentam e adornam a ideia de nação.

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18.01.2020 | por Bruno Sena Martins

Morrer por ser. O racismo estrutural na França contemporânea

Morrer por ser. O racismo estrutural na França contemporânea A atualidade francesa tem sido regularmente marcada por casos que envolvem agentes da Polícia na morte de jovens de ascendência africana. Este tema da morte violenta ligada à colonialidade do poder inscreve-se numa longa história.

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18.01.2020 | por Rachida Brahim

“Sujeito implicado”: um conceito a explorar

“Sujeito implicado”: um conceito a explorar Como diferenciar a implicação em função da origem, cidadania, classe, raça, género, prática política ou trajeto biográfico? Qual a relação entre implicação e capital (económico e simbólico), no quadro de um sistema-mundo profundamente desigual? Qual o estatuto de implicação daqueles que, não beneficiando das cadeias de dominação nem se (auto)definem como vítimas, são sujeitos prejudicados pelos mecanismos produtores de injustiça e opressão?

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05.01.2020 | por Miguel Cardina

O Estado francês e o Estado português perante a chegada dos pieds-noirs e dos retornados

O Estado francês e o Estado português perante a chegada dos pieds-noirs e dos retornados Em França, apesar do contexto económico do período conhecido como os “Trente glorieuses” ser favorável à absorção de mão de obra, as características socioprofissionais dos franceses que chegavam da Argélia não correspondiam às necessidades do mercado de trabalho francês, que procurava trabalhadores qualificados para as indústrias. No caso português, ocorreu uma situação inversa. O contexto económico do país fazia temer um aumento súbito e extremo de uma taxa de desemprego que já era elevada. Não obstante, as características profissionais dos portugueses que vinham de Angola e de Moçambique, muitos ativos no setor terciário, nomeadamente nos serviços e no comércio, representaram uma vantagem para a economia portuguesa.

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02.01.2020 | por Morgane Delaunay

Luanda, Lisboa, Paraíso?

Luanda, Lisboa, Paraíso? Nos anos 80, e seguindo a rota de muitos cidadãos africanos dos países de língua oficial portuguesa, Cartola de Sousa viajou para Lisboa com o seu filho Aquiles de 14 anos, para que o rapaz fosse submetido às operações aconselhadas e aos tratamentos médicos que, em princípio, resolveriam o problema.

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26.12.2019 | por Margarida Calafate Ribeiro

Vendavais

Vendavais Através da Europa inteira, presenciamos uma tentativa de anular as conquistas emancipatórias de todo um século passado, com as reivindicações de poder fazendo-se passar por tentativas de aliviar os danos sociais enquanto propagam formas tóxicas de nacionalismo serôdio e bafiento. Estas, por seu turno, são fundadas na xenofobia e no racismo, quer ainda debaixo de ténues disfarces, quer de modo aberto e bem direto.

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21.12.2019 | por Paulo de Medeiros

Pós-memória e ressentimento

Pós-memória e ressentimento No plano deste ressentimento da vítima perante o perpetrador, a impossibilidade do perdão é inseparável da recusa do esquecimento. Não tem, pois, que ver com uma fixação paralisante no passado, significa, sim, a definição de uma posição moral que permite à vítima, justamente, recusar a fixação neste estatuto e constituir-se como sujeito. O sujeito ressentido é, deste ponto de vista, o sujeito que se constitui através da afirmação da permanência da memória. Mas pode, legitimamente, perguntar-se: se este processo tem contornos claros quando existe uma definição inequívoca do objecto do ressentimento, a figura inconfundível do perpetrador, o que acontece em contextos em que essa definição não é tão clara, sendo movida, por exemplo, por uma lógica de vitimação de contornos problemáticos?

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27.11.2019 | por António Sousa Ribeiro

Nós, eles, porquê? (a propósito de Paulo Faria)

Nós, eles, porquê? (a propósito de Paulo Faria) “O rosto que falta” é um pungente texto sobre a guerra, mas sobretudo sobre a titularidade da experiência das situações traumáticas ligadas ao conflito armado, e nomeadamente ao fim do colonialismo português em África.

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12.11.2019 | por Felipe Cammaert

Para criar espaços de escuta

Para criar espaços de escuta Resgatar a memória, inscrever novas memórias na História comum, criar histórias cruzadas ou em arquipélago, não é somente clamar por uma aceitação numa História oficial e alargada ou abrir espaços políticos no presente imediato. É conservar e exigir a possibilidade de existência e de acção futura.

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10.11.2019 | por Liliana Coutinho

Museus: zonas de contacto por excelência

Museus: zonas de contacto por excelência Os Museus são espaços democratizantes, inclusivos e polifónicos, orientados para o diálogo crítico sobre os passados e os futuros. Reconhecendo e lidando com os conflitos e desafios do presente, detêm, em nome da sociedade, a custódia de artefactos e espécimes, por ela preservam memórias diversas para as gerações futuras, garantindo a igualdade de direitos e de acesso ao património a todas as pessoas.

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04.11.2019 | por António Pinto Ribeiro

Por que razão o racismo ainda é uma questão europeia?

Por que razão o racismo ainda é uma questão europeia? Entretanto, o verdadeiro combate está em trazer para o campo da discussão os problemas estruturais reais da sociedade: a pauperização da população, a precarização do trabalho, as discriminações racistas e sexistas, a mundialização do capitalismo e uma série de preconceitos que herdámos do passado colonial, como a islamofobia, a falta de políticas públicas para a integração dos imigrantes, a abundância de discursos civilizacionais, as teorias como o lusotropicalismo, o racismo contra os negros, entre outros.

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28.10.2019 | por Fernanda Vilar