Não Alinhados#1 Insónia Cubana

Não Alinhados#1 Insónia Cubana Abro pela primeira vez os arquivos que ele me deixou, sem saber o que vou encontrar e aquilo que talvez tenha perdido todos esses anos. A ideia é descobrir, a cada crónica, um pouco mais sobre a vida deste que foi provavelmente o projecionista angolano que conheceu mais cabines de cinema a nível internacional que, em 1981, fez uma viagem com a delegação angolana à Alemanha de Leste e desapareceu.

Afroscreen

24.01.2024 | por Fradique

Novos passos de dança

Novos passos de dança Estou cansada de ver pessoas enaltecendo coisas que considero afetadas e pouco conscientes do mundo além-fronteira, ao mesmo tempo que assisto a pessoas talentosas e humildes serem maltratadas. Vejo o poder, em todas as suas formas de arrogância, em vez da potência, na sua forma de liberdade. Ando cansada dos egos dos artistas e sobretudo do meu, e a única coisa que me apetece é aquilo que ainda não sei fazer… cozinhar, plantar. Tratar de animais. Ver crescer coisas, tentar amar como deve ser.

A ler

12.11.2021 | por Rita Brás

Na Rua do Loreto

Na Rua do Loreto Está nua, a barriga dobra-se sobre o púbis. Eleva os braços, espreguiça-se, como um orangotango fêmea cansado. Deixa-se estar ali, lambendo os braços, levando ao nariz o cheiro dos sovacos, acarinhando um bebé que ninguém vê, dando-lhe de mamar com um desvelo maternal. Dessa vez, não a vi. Contaram-me que abriu as pernas, cheirou-se e sentindo-se, quem sabe, terrivelmente desamparada, começou a chorar de desespero. Alguém chamou a Polícia Municipal.

Cidade

08.09.2020 | por Djaimilia Pereira de Almeida

Um mundo mais parecido com uma biblioteca

Um mundo mais parecido com uma biblioteca será que o leitor se referia ao seu aspecto físico ou à totalidade da sua percepção da realidade? Ao bairro onde Fidel vivia, ao seu quotidiano e indumentária, condição social, cor de pele, ou a outra condição limitadora? A Primavera não chegou para explicar a mim mesma por que razão as dores de Fidel, os seus medos, os amores de Fidel, os seus anseios, são dores, amores, anseios de segunda — anseios, medos, dores e amores com um grau inferior de generalidade ao da gente que costumamos encontrar dentro dos livros a que chamamos romances.

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24.07.2020 | por Djaimilia Pereira de Almeida

Covil e chuva é a gente da nossa terra

Covil e chuva é a gente da nossa terra O barco custa a amarrar. Fico sem sonhos nem energias vivas. Ando por aqui a inventar tarefas e vou procurando trabalho online com outros milhões, agora. O futuro chegou mesmo depressa demais e nada me preparou a mim nem a ninguém para tudo isto. Condições ou doenças mentais, fábricas de comunicação, teletrabalho, hospitais de campanha, 15min de fama a enfermeiros portugueses, presidentes mediáticos, vazios de gente e ruído, concelhos fechados em si, lojas de vidro higiénico e empregados de luvas, filas para tirar senha para o supermercado, desinfetantes tantos quanto precisos e a estranha importância do papel higiénico. Tudo ao mais pequeno pormenor noticiado, como se a vida em si se transformasse num Hiatos e agora Home.

Mukanda

16.04.2020 | por Adin Manuel

Menos dois

Menos dois A Carla diz que tenho de deixar o cabelo seguir o seu caminho, pois sabe exactamente o que tem de fazer e como se deve enrolar até chegar a cada conjunto de caracóis. Ela admoesta-me de cada vez que me ponho a enrolar e a desenrolar nervosamente com os dedos o que de si é já enrolado. Não sei se isto me ajuda a pensar ou dificulta a função. Parece que a minha paciência não dá, afinal, para tudo. Ou então, o meu cabelo tornou-se uma novidade; se calhar tento, apenas, perceber o que há de tão especial nisto. Quando sou eu que o toco, porém, o outro não sou eu e sim o meu cabelo, que já foi outro. É, vários graus de enrolamento.

Corpo

09.04.2020 | por Gisela Casimiro

Ele estendeu-me a mão e fui

Ele estendeu-me a mão e fui Contei-lhe este episódio já na cama, antes de adormecermos. Ele contou-me que também se perdeu da mãe em menino, o que eu tinha esquecido. Desejei ter-me perdido também, o que nunca me aconteceu. Mas pareceu-me uma imagem da liberdade: uma criança que consegue encontrar o caminho de volta, no meio dos vultos de uma Estocolmo escurecida, entre o tráfego da hora de ponta e a indiferença dos adultos.

Mukanda

12.02.2020 | por Djaimilia Pereira de Almeida

Privilégio Negro

Privilégio Negro Poderia ter-se referido ao bronze, que é o mais comum, aquele encostar de braços para comparação, enquanto se anuncia que se vai ficar “da tua cor” ou “mais preta que tu”. Sem contextualização imediata, porém, certas frases podem e irão gerar desconforto. Por vezes mesmo se contextualizadas. Ela poderia, por exemplo, ter referido que, quando alguém nos anuncia e define ora em prol da nossa naturalidade ora da nossa nacionalidade, conforme precisa, isso é privilégio negro.

Mukanda

12.11.2019 | por Gisela Casimiro

Amazona

Amazona Se a espécie humana se autodestruísse e desaparecesse do planeta, o Rio de Janeiro seria uma das primeiras cidades a recuperar o seu biótopo natural. Em poucos meses, a humidade racharia o cimento, permitindo a infiltração da água, e o tempo faria essas fendas se alargarem, favorecendo a irrupção de ervas. Se os esgotos fossem destruídos, antigos cursos de água reapareceriam e novos surgiriam. Não tardaria para que praças e ciclovias fossem invadidas por gambás, gaviões, cobras, capivaras e corujas. Em pouco tempo, a floresta ocuparia toda a região.

Cidade

29.10.2019 | por Rita Brás

Um ensaio sobre o cronista

Um ensaio sobre o cronista Olha o ERRO gramatical da fonética vernácula. A quem pensas que influencias (vocabulário fica no armário)? Mandem chamar já e jááá… o DICIONÁRIO. Sem chapéu, acentuando metaforicamente o ponto final. Uma crónica tem fim? Que vitupério! Inpercebência. Dinossauro. Parece giro, popular. Contemporâneo! O Cronista. Polémico ou pacifista? Com as suas noções sócio comunicativas reais

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04.05.2019 | por Indira Grandê

Catumbela das Conchas

Catumbela das Conchas As montanhas russas, os carrocéis: pulos sobre putos. Cavalos e girafas em curso, carros de círculos corridos de pó. Sapatos dos noventa, quebra mar dos oceanos. Pisa lavras, insectos caídos da mangueira. Crianças da corrente fria de Benguela. Como os nossos pais dançavam o merengue. Catumbela era caminho-de-ferro. De ferrugem! De sucata! Catumbela é gente. Cana de açúcar: rio e cevada. Jacarés de parede, paracuca - ginguba no dente. Cinco angulares por balão. Dia de festa! Canções do Ocidente. Catumbela é caminho. Caminho do tempo. Catumbela das Conchas!

Cidade

24.04.2019 | por Indira Grandê

DANGEREUX, um bairro de nome (quase) francês

DANGEREUX, um bairro de nome (quase) francês Nós, os angolenses, caminhamos de gato e sapato. Onde estávamos mesmo? Luanda chove. BUÉ!!! A chuva escurecida sussurrava ao céu. Sussurrava aquando dos pássaros escondidos nas estribeiras da casa de chapa. A chuva sussurra ainda mais alto (barulhenta) e a nuvem estremece…BOOUM! BOOUM! Estremeceu! Uma cicatriz embranquecida no céu…BOOUM! Cai um balde de tinta de água. O chão escorrega…escorregadio. Uma tela transparente. ESCORREGADIA: a chuva inunda todas as cidades de Angola. Encharca os hóspedes no meio da morte. A chuva infiltra-se num país! Relâmpaga-se… tempestade!!! A chuva.

Cidade

14.04.2019 | por Indira Grandê