A mulher e a prepotência masculina

Nascido numa sociedade patriarcal, na qual a responsabilidade social é salvaguardada pela reação e a agressividade masculina, um homem desenvolve-se com a prática, invisível e selvagem, de usar tudo, do seu corpo e instinto, para alcançar o seu objetivo social: ser inquestionável. Não é de admirar que, neste contexto social e histórico, muitas mulheres considerem o homem uma espécie de mal que vem por bem. Ou seja, devido à pressão da organização e dependência social, a mulher, de modo geral, aceita que o seu corpo e comportamento sejam tidos como posse do seu namorado, pai ou irmão, e, em contrapartida, espera beneficiar do privilégio e virilidade dos mesmos. No mesmo contexto, e em interação sexual, um homem rico ou influente, por conta da sua relevância social, limita-se a ser discreto e a esperar que as vítimas femininas acabem no seu espaço pessoal. Todos procuram os seus recursos, o que lhe permite silenciar as vozes das mulheres que lhe são atraentes, e silenciar os testemunhos. As chantagens económicas e sociais são as suas armas principais para infligir as suas vontades sexuais.

O homem pobre, ou pouco influente, não tem recursos que o façam ser procurado; assim, normalmente, ele é indelicado e sai às ruas para tentar a sua sorte com qualquer uma. Ele é descarado pela urgência da sua condição que o mantém em precariedade e tensão. De acordo com o seu lugar abaixo na escala social, no que toca à vida sexual recorrerá frequentemente a outro tipo de chantagem — a chantagem pessoal e emocional.

Mary Evans, Nigéria (1963)Mary Evans, Nigéria (1963)

Ambos, abastados ou não, idolatrados ou não, devido às suas liberdades totalitárias, para além da violência psicológica, estes homens dão frequentmente uso à violência física sobre as mulheres; quando o domínio masculino falha, ou as imposições da sociedade machista estão em risco, o homem vulgar recorre à força corporal para que ninguém tenha dúvidas sobre o seu poder. Nestes casos, o feminicídio é uma realidade presente e provável.

Repare-se que a persistente violência contra as mulheres nos países economicamente desenvolvidos influenciou a própria consciencialização sobre o machismo. As rebeldias em países liberais são uma afronta aos costumes conservadores, e a reação violenta dos diversos machistas são sinais da fragilidade provocada pelas várias frentes liberais. Enquanto que nos países em desenvolvimento, rareia a informação anti-opressiva; por isso, a pressão sobre as mulheres é mais intensa, dificultando as reações libertadoras e afixando uma paz teatral.

Infelizmente, em ambos os mundos, a maior parte das mulheres continua vítima da liberdade do homem egocêntrico. A mulher que aceita o machismo para si, também reage de acordo com as normas existentes. Independentemente do seu estatuto social, a objetificação do seu corpo e mente são o seu proveito nocivo; aceita-se bonita quando responde às medidas exigidas pelos olhares masculinos, aceita-se no papel caseiro que a sociedade planeou para ela, ou aceita ser espancada por submissão à importância da figura do marido.

Um homem que depende da virtude e a vontade instintiva da sua companheira, será intimidado pela troça e repressão sexista dos julgadores, como amigos ou família. Nesta comunidade, o domínio feminino causa vergonha. O mesmo se aplica a um homem que abandona o privilégio de género e comporta-se com atitudes estereotipadas às mulheres; os homens só são vistos como úteis se beneficiarem o seu próprio poder.

A ação de mulheres liberais é indireta enquanto a supremacia machista não for realmente enfraquecida. Qualquer mulher que consiga uma posição privilegiada e requeira o direito feminino, ou humano, será gradualmente abafada pelos incontáveis moralistas, nos quais se incluem outras mulheres. As vozes das atuais progressistas são confinadas aos poucos teóricos existentes, não alcançando a massa urbana. No terreno, o silenciamento contra-ataca com as palavras de Deus, da tradição, da família ou dos bons hábitos, manipulados para que a mulher seja para o homem, e o homem não seja mulher.

A luta continua. A liberdade e a equidade social, desprovidas de opressões egocêntricas, serão as derradeiras vitórias humanitárias. A violência generalizada contra as mulheres é sinal de que, afinal, a liberdade e a segurança só são aceites quando se respeita a prepotência masculina; por outras palavras, na prática, o atual direito humano é lamentavelmente concedido como recompensa aos que consentem com a supremacia.

O importante é continuar a insistir nas informações de consciencialização. É necessário fazer as mesmas informações chegarem onde a baixa economia isolou o interesse dos mais fortes. Os homossexuais e transexuais que têm o poder de destabilizar a ordem dos sexos, devem deixar de se esconder e inspirar as opções contra a estagnação de interesse particular. Antes de mais, todas as pessoas, e as suas diversas sensibilidades, devem ser respeitadas e encaradas como potenciais impulsionadoras para um futuro melhor. E querer o melhor não é vaidade nem ousadia, é direito. A liberdade e segurança da mulher são direitos imprescindíveis. As mulheres são mais do que meros suportes masculinos, são, também, o fundamental humano.

por Ricardo Cabral
Corpo | 24 Abril 2019 | feminismo, mulher, patriarcado, violência