Urban Africa: Office/MA, Urbanismo Negro

Raramente prestamos muita atenção a rótulos presumidamente genéricos como “urbano”1. Fora do mundo fechado da arquitetura, “urbano” se tornou sinônimo de “negros e latinos”, termo usado para descrever desde o mundo da moda até a música. Confrontar-se com esta realidade é o propósito explícito do Office for Metropolitan Alternatives (Office/MA), um grupo fundado por Paul Goodwin e John Oduroe para investigar como a estética da cultura da diáspora negra pode inspirar e influenciar a forma de se criar arquitetura.

Como diretor do Re-Visioning Black Urbanism do Centre for Urban and Community Research (CUCR) do Goldsmiths College em Londres, Paul Goodwin pesquisa como múltiplos modos de “negritude” dialogam com as dinâmicas do urbanismo contemporâneo no Reino Unido. Em um dos seus seminários, Paul conheceu John Oduroe, um jovem arquiteto vivendo em Londres com uma bolsa da Fulbright.

Pode parecer que seu projeto tem muito em comum com aquele de Teddy Cruz, que se apropria das estratégias espaciais de comunidades periféricas e favelas para construir uma arquitetura mais adaptável. Mas Cruz não intitula sua linha de pesquisa de “urbanismo latino”. Então, um “urbanismo negro” é apenas uma provocação, ou de fato as estratégias de resistência de comunidades negras urbanas diferem daquelas de outras comunidades imigrantes e diaspóricas?

Se “urbano” se tornou de fato uma sinédoque educada para comunidades negras e latinas, temos permitido esse discurso marqueteiro silenciosamente transformar a experiência urbana negra num produto (falando sobre as cidades agora). Ao propor um “urbanismo negro” com objeto de estudo, Office/MA nos força a inquirir desconfortáveis questões de raça, classe e cultura.

Lagos, Nigéria.Lagos, Nigéria.

Heather Ring: O que é urbanismo negro?

Paul: Do meu ponto de vista, urbanismo negro é uma ferramenta de diagnóstico para a compreensão do urbanismo no século 21. Negritude se tornou uma forma de subjetividade urbana neste particular momento histórico global, quando o hip hop e várias formas de cultura popular negra se difundem por todo o mundo. Estamos interessados na relação entre as várias formas de cultura urbana e a produção de um espaço urbano. A questão que estamos levantando é como esta incrível energia cultural – não apenas o hip hop, mas também práticas sócio-espaciais cotidianas – podem ser traduzidas em formas espaciais. Comunidades negras e imigrantes contribuíram e tem contribuído para o desenvolvimento das cidades ocidentais; este é o espaço que quero chamar de “urbanismo negro”. Parte do que queremos fazer no Office MA é observar como a linguagem do urbanismo negro pode ser explorada através da arquitetura e do planejamento urbano.

John: Mas primeiro precisamos perguntar, “Qual é a forma e a função do urbanismo negro; e como o reconhecemos quando o vemos ou o experimentamos?” Pretendemos abordar essas questões explorando a variedade de práticas espaciais que ocorrem dentro das comunidades de imigrantes e minorias. Estas práticas incluem, mas não estão limitadas às formas espaciais. Tanto o público como o doméstico são ocupados e utilizados; formas de arquitetura e design informal; e atividades de mercado relacionadas ao espaço e a propriedade.

O urbanismo negro surge de um lugar de luta ou resistência? Está conectado a uma situação sócio-econômica, ou o urbanismo negro poderia ser encontrado num bairro mais abastado?

Paul: Eu acho que historicamente surgiu de um espaço de luta política, mas também foi apropriado pelos subúrbios. Isso ficou claro para mim recentemente durante um seminário sobre urbanismo negro que promovemos no ICA. Lá eu descrevi a ideia de uma “presença do urbanismo negro” e sua relação com a luta política.

Em 1989, estava em Paris e estudava os imigrantes da África ocidental e seu papel nos movimentos em protesto contra a situação da moradia. No centro destes movimentos estavam imigrantes do Senegal que se tornaram politizados a partir de casos de expulsões brutais de projetos de moradia de baixa-renda na parte oriental de Paris. No vigésimo arrondissement, na miserável parte norte da região mais pobre da cidade, as famílias expulsas espontaneamente uniram-se numa praça, foram acompanhadas por um número de grupos políticos de membros sem-teto e criaram uma vila urbana. Montaram tendas e se recusaram a sair da vila por três ou quatro meses. Isso se tornou um enorme evento midiático nacional. Lá eles cozinhavam, as crianças brincavam; era a vida à céu aberto. Foi um momento galvanizador e um número de outros movimentos se iniciou a partir daí, incluindo o Droit Au Logement (DAL), um movimento nacional de sem-tetos que agora se tornou internacional. 

John: Eles estavam numa luta pela sobrevivência. E arriscando-me a romantizar suas circunstâncias, eu acho que existe algo realmente intrigante na aparência e sensação dos espaços moldados por respostas não-convencionais e criativas às necessidades cruas.

Ring Road / Adaya Street Cloverleaf, Lagos, Nigéria, foto de Julius BergerRing Road / Adaya Street Cloverleaf, Lagos, Nigéria, foto de Julius Berger

Paul: A forma de compreensão dominante para aquilo que estava acontecendo com aqueles movimentos em Paris era que aquilo era uma nova forma de gueto. Houve pânico, porque até então as famílias africanas eram invisíveis. Elas não estavam vivendo em cortiços, estavam vivendo em alojamentos especiais nas periferias da cidade. Mas depois das expulsões, era possível ver famílias africanas em Paris vestindo roupas tradicionais em espaços públicos, o que foi uma experiência de perplexidade para muitos parisienses na época. Eu participei de alguns daqueles movimentos de protesto, e lembro-me de sair do metrô para protestar na sede da prefeitura, e nunca me esquecerei disso – uma velha senhora francesa, branca, seu rosto contorcido, gritando, “Selvagens!” Ela estava muito irritada pela presença daqueles africanos, alguns em roupas tradicionais e carregando bebês em suas costas. Não estavam assimilados ou usando ternos e gravatas. Isso me lembra de um trecho de “Pele negra, máscaras brancas” de Fanon, no qual um menino vê uma pessoa negra e de forma excitada diz para sua mãe: “Veja, um negro!”. A forma como tudo aquilo foi retratado pela imprensa, vendo os movimentos como o perigo de um processo de “guetificação”, um novo gueto, um espectro do gueto americano.

E isso nos leva ao meu trabalho em geografia e estudos urbanos, no qual me detenho sobre a literatura que trata da presença negra nas cidades. Existe alguns trabalhos positivos e construtivos sobre a guetificação, mas de qualquer forma é uma perspectiva limitada, porque mesmo em sua forma mais positiva, coloca a presença negra como uma mancha na paisagem. O gueto é visto como um espaço não produtivo, um tipo de problema, e o sujeito negro é frequentemente construído como uma espécie de vítima, um objeto a ser estudado.

Muitas mudanças aconteceram como resultado destes protestos; e a imagem de Paris mudou para sempre. Eles ajudaram a criar um espaço para a discussão do multiculturalismo na cidade. Esses movimentos de protesto tiveram também resultados tangíveis nos espaços da cidade. Esta é uma nova forma de urbanismo, e necessita de novas lentes para compreender a presença negra nas cidades.

Urbanismo negro pode ser pensado como uma maneira de compreender o lado produtivo da presença negra. Por produtivo eu não necessariamente quero dizer “positivo” – é dialético e cheio de contradições. Há muita miséria, muitos problemas com a “patologia do gueto”, não nego isso. Mas o outro lado desta dialética é uma energia mais positiva, criativa e afirmativa que é o produto desta mesma desvantagem e marginalidade. Esses dois fenômenos não podem existir um sem o outro.

Qual é a aparência do urbanismo negro? 

John: Responder a essa pergunta é um desafio. Acho que o primeiro passo é compreender que não há uma única forma ou estilo estético predominante que sintetiza a negritude como um todo, já que a negritude evidentemente não é uma formação cultural monolítica. Cada lugar, cada local, cada prática ou atividade deve ser lida como única e contingente de circunstâncias ambientais, culturais, sociais e econômicas específicas. Esperamos reunir um corpo dessas descrições e imagens que coletivamente começam a sugerir outras maneiras de existir na cidade. Essas representação podem parecer indesejáveis a alguns, mas para uma quantidade de pessoas cada vez maior, elas representam uma forma de sobrevivência. Estou muito interessado, por exemplo, no fenômeno de igrejas em espaços comerciais: quando comunidades religiosas que desejam um lugar de culto evitam o alto custo de um novo projeto arquitetônico e se fixam em estruturas desocupadas já existentes. Frequentemente esses espaços surgem na forma de espaços industriais ou comerciais que se tornaram indesejáveis ao mercado. Estou interessado na forma como esses espaços são adquiridos e na maneiras como são alterados por essas comunidades para comunicarem uma sensação de lugar e identidade. Também estou interessado em como a presença desses espaços é percebida pelo grande público; e na forma como eles e seus constituintes se relacionam e alteram a paisagem urbana em muitas comunidades. Essa é apenas uma expressão do urbanismo negro.

Se o urbanismo negro surge através de modos de resistência e sobrevivência, você acha que isso é algo que um arquiteto também possa implementar propositadamente?

John: Eu acho que historicamente este tipo de “prática de design” é algo que acontece no dia-a-dia. Este projeto gostaria de lidar com a possibilidade de que essas soluções possam influenciar o modo como arquitetos e urbanistas pensam sobre espaços públicos. Por exemplo, poderiam estes tipos de práticas nos dar algumas indicações sobre os tipos de espaços e lugares deveríamos estar programando e desenvolvendo para as cidades, à medida em que elas continuam a crescer para acomodar novas populações com novas necessidades e demandas? Estamos tentando estimular um discurso que moverá estes elementos normalmente desconsiderados como técnicas de sobrevivência das classes mais baixas ou marginalizadas para mais perto do “centro” da nossa compreensão de como as cidades se aparentam e funcionam.

Paul: Eu acho que um bom exemplo disso é Nova Orleães. Já existiu, em tempos de paz nos Estados Unidos, uma cidade que foi inteiramente destruída por um desastre natural e agora tem a oportunidade de se reconstruir? E o que há de interessante sobre esta cidade é que a população era 70% negra antes do furacão, e a própria cidade se baseia muito nessa fusão de culturas, da qual a cultura negra é uma parte muito importante. Então a pergunta procede, como iremos reconstruir Nova Orleães? Que modelos serão usados para esta reconstrução? Um número de artistas do jazz e blues e outras pessoas criativas têm contribuído para este processo. Reconhece-se que a cidade foi construída com jazz e blues e sua estética, dinâmica e ritmos precisa de algum modo alimentar o processo de reconstrução. De certo modo esta é uma forma de urbanismo negro.

Marc Ecko para Iconix, marca de Nova Yorque. Marc Ecko para Iconix, marca de Nova Yorque.

John: Acabo de ler um artigo sobre Marc Ecko, o estilista hip hop e o império que ele criou a partir do porão dos seus pais. De acordo com o autor, a formação de Ecko em pixação e graffiti deu-lhe a inspiração para começar a pixar e pintar suas roupas como uma forma de auto-expressão. Tal abordagem ao design está na raiz da cultura hip hop que se orgulha de reapropriar-se do familiar e do lugar comum e recriá-lo como algo novo e original. Podemos ver a mesma intenção nos primórdios da cultura punk, assim como em outras formas culturais que surgiram às margens da sociedade. Acho que este tipo de abordagem “intervencionista” da produção cultural – i.e., compreender o que já existe e então indagar como pode ser levado mais longe ou reativado de uma forma nova – faz muito sentido quando consideramos a maneira como as cidades estão mudando. À medida que novas populações chegam a áreas da cidade previamente considerada enquanto guetos ou fora dos limites urbanos, poderiam tais estratégias começar a sugerir maneiras de compreender como forma, espaço e infraestrutura têm sido e serão transformadas num futuro não muito distante?

Paul: Urbanismo negro não é um produto final – não é algo fixo para o qual você pode apontar, é um processo. E este processo inclui, como você diz, a luta histórica das comunidades negras, e quando digo comunidades negras não me refiro à um grupo étnico fixo, embora eu reconheça o papel das comunidades da diáspora africana para a produção do conceito. Ele vai, por um lado, desde estas lutas políticas históricas e, por outro, às expressões culturais populares que surgem com o hip hop, o jazz e a cultura popular.

Vocês se preocupam com o fato de que sua pesquisa possa contribuir para a acomodação da cultura negra?

Paul: Acho que você tem razão, isso é totalmente possível. A cultura negra já está sendo acomodada. Introduzi-la na arquitetura e no urbanismo, há um perigo que isso aconteça. David Adjaye é um caso de estudo interessante. Ele tem sido considerado pelo mundo afora um grande arquiteto – com o que eu concordo. Mas alguns dizem que sua novidade é sua negritude, sua alteridade. Acho que isso seria uma forma limitante de compreender o que ele faz. Há um perigo no urbanismo negro – o perigo de nomear o processo, o que acho que está implícito na sua pergunta, que possamos fetichizá-lo e contribuir para sua acomodação. Acho que é algo sobre o qual devemos pensar.

Mesmo correndo o risco desta acomodação, continuo a achar que é importante debater a questão levantada pelo urbanismo negro. Mesmo o nome – as pessoas me dizem, “Por que você usa o nome urbanismo negro? Por que não chama simplesmente de “urbanismo diferenciado”, ou “urbanismo diverso”, ou “urbanismo cultural”?”. Outra vez, acho isso uma questão legítima, já que urbanismo negro pode gerar muitos mal-entendidos. Mas eu acho que abre espaço para o debate. É deliberadamente um pouco provocativo. “Negro” e “urbanismo”? O que os dois termos têm a ver um com o outro? É exatamente neste ponto que eu quero chegar. Porque quando leio as revistas de arquitetura, não vejo muito de negritude. Vejo branquidão, literalmente. Não vejo muito que seja representativo do que estamos falando – e não estou falando apenas de David Adjaye.

Projecto de D. Adjaye para a implantação futura do África.Cont, anunciado como um centro de cultura africana contemporânea pela C.M.Lisboa. Projecto de D. Adjaye para a implantação futura do África.Cont, anunciado como um centro de cultura africana contemporânea pela C.M.Lisboa.

Mas vamos falar sobre David Adjave. Você acha que seu trabalho expressa algo da negritude? Existe algum aspecto do urbanismo negro que distingue os prédios de David Adjave do trabalho, vamos dizer, de David Chipperfield? 

John: Eu acredito que ele tenha uma forma muito sofisticada de abordar a negritude e a ideia de como a diferença cultural pode se relacionar com o design. Se você estudar sua mais recente monografia sobre prédios públicos, Adjave traça uma conexão conceitual entre a estética formal de cada um de seus projetos e específicos artefatos culturais reunidos de várias regiões da África. Como você pode imaginar, o artefato é apenas uma entre muitas influências que ajudam a determinar a forma final do prédio. Os projetos se constituem como peças arquitetônicas. Ele não se esforça para provar uma conexão com o artefato original para justificar seu design. Da mesma forma, eu percebo a IDEA store como uma resposta à pergunta “O que posso aprender com a complexidade das atividades nas ruas ao longo da Whitechapel High Street, e posso traduzir essa experiência num edifício?” Realmente acho que ele está pensando em termos de urbanismo negro. Se ele dá a isso esse nome, eu não sei.

David AdjayeDavid Adjaye

Paul: Grande parte do trabalho de David Adjaye está na ideia do espaço público, e em abrir esse conceito para compreensões novas e mais amplas. Mas acredito que, como observadores do seu trabalho, precisamos ter cuidado com uma armadilha – a armadilha do literalismo. Não acho que John e eu estejamos interessados numa aplicação literal da cultura negra no urbanismo, esse não é o ponto. Mas, se você parte dessas influências e então cria um tipo de “arquitetura negra”, ou um tipo de “arquitetura africana”, isso seria uma tipologia mais próxima. O urbanismo negro cria um tipo de lógica que pode levar à uma inspiração ou design, mas é apenas uma de uma série de texturas ou palhetas que são importantes para o processo.

E sobre o paisagista Walter Hood, que vive e trabalha na zona oeste de Oakland?

John: Walter ofereceu uma oficina na Carnegie Melon University no meu tempo de estudante. O que realmente me impressiona em Walter Hood – e ele tem me influenciado por muito tempo – é que ele falava em visitar as comunidades para as quais havia sido comissionado, perguntando “O que vocês querem?”, e incluindo-os no desenvolvimento de um processo para a concretização de suas demandas. Ao invés de apesar dizer, “Obrigado”, enrolar os papéis e partir para formular seus próprios desenhos, ele os leva a sério e toma para si a difícil tarefa de interpretar algumas vezes demandas contraditórias e fragmentadas e traduzi-las em espaços e formas coerentes. Isso inspirou um dos objetivos do Office MA, que é repensar a relação entre a consulta pública e o design. Existem muitas dificuldades com os modelos dominantes em uso: como reunir e engajar setores diversos de uma comunidade local? Como reunir informação, determinar o que é importante e significativo, e sintetizar tudo num design coerente, como acomodar as necessidades e desejos de uma comunidade quando essas podem conflitar com os interesses do cliente. Sinto que Walter realmente tenta lidar com essas questões em seu trabalho. Consulta pública não é apenas uma maneira de acessar e evitar críticas em potencial – ele realmente quer saber como podemos envolver outras vozes. 

Existem muito poucos estudantes negros em livros de arquitetura. 

John: Durante meu último ano na escola de arquitetura, folheava uma revista de arquitetura e vi uma foto de David Adjaye. Acho que havia recentemente completado a Dirty House em Shoreditch. Parei por um segundo e pensei, esta é a primeira vez que eu vejo a foto de um arquiteto negro numa revista. Penso que a falta de modelos para inspirar jovens estudantes de minorias realmente impacta o que eles percebem ser possível ou até mesmo razoável para suas carreiras. Tenho certeza que existem muitos outros fatores também. Muitos jovens de minorias altamente motivadas sentem a pressão de suas famílias e mentores para buscarem campos de trabalho lucrativos. Também testemunhei muitos jovens estudantes de minorias abandonarem a escola de arquitetura reclamando que suas ideias não eram bem recebidas ou compreendidas por seus instrutores, mais velhos e frequentemente brancos e homens. Talvez houvesse uma incapacidade da parte do aluno em traduzir suas experiências vividas em formas que pudessem ser criticadas em termos mais universais. Ou talvez, houvesse uma incapacidade da parte dos educadores em reconhecer suas próprias subjetividades culturais, além das subjetividades étnicas, culturais e de classe que formaram a “arquitetura” como um discurso acadêmico. Não sei, mas isso me faz pensar em como podemos conquistar a fissura entre essas duas compreensões por vezes contraditórias do que faz um espaço ou um lugar ser considerado bom ou não.

Creio que essa questão dialoga com questões maiores que constantemente estão presentes na agenda dos arquitetos e designers: “O que fazer depois do modernismo? O que virá agora?” As pessoas estão tentando descobrir isso ao menos desde Venturi no anos 1970. Creio que veremos contribuições muito interessantes e instigantes para este debate à medida que mais negros e minorias entrarem e se graduarem em faculdades de arquitetura ao redor do mundo.

 

Paul: Passamos prematuramente para o pós-modernismo, e, paradoxalmente, o pós-modernismo se provou uma forma pastiche de nostalgia. Então, de certa forma, “urbanismo negro” pode ser uma parte do processo de compreender o que vem depois do modernismo. Por que Rem Koolhaas está interessado em Lagos, Nigéria? O Project on the City de Harvard estudou a China, o delta dos rios, shopping centers, a cidade romana; por que Lagos? Alguns dizem que ele nutre uma ideia romântica do urbanismo de Lagos; que existe uma lógica naquilo que muitas vezes é puro caos. E ele foi ridicularizado por sobrevoar Lagos num helicóptero sem compreender o que acontecia no nível da rua. Bem, eu acho que seu interesse por uma cidade africana é bastante atraente – porque o que ele está dizendo é: para compreender o futuro do urbanismo ocidental, precisamos também olhar para fora do ocidente, e isso inclui a África. Podemos aprender com Las Vegas, mas também podemos aprender com Lagos. 

Durante o salão que você promoveu com This is not a gateway, um dos palestrantes convidados veio do Greater London Authority/ Design for London falar sobre o projeto de recuperação de Dalston e Brixton. Durante a palestra, esses projetos eram apresentados sob uma perspectiva positiva e não-crítica, mas eu sei que muitos consideram esses programas de recuperação sinais de enobrecimento urbano (gentrificação), e seus espaços estéreis e genéricos. O que você pensa desses projetos? Acha que são exemplos bem sucedidos de urbanismo negro?

Paul: Parte do problema em arquitetura e programas de recuperação é que questões de diferença são abordadas através de consulta pública em paralelo ao processo de design. Mas o que esses projetos demonstram é o desafio de se lidar com questões politicamente contenciosas de urbanismo negro dentro de um contexto de política pública. Fazer isso é muito difícil, particularmente na Inglaterra e Europa, onde as noções de negritude são ainda relegadas à margem e vistas como regressivas e “étnicas”. Eu acho, para ser justo com David Ubaka, que quem apresentou esses projetos naquela noite, compreende as questões levantadas pelo urbanismo negro, embora, sendo alguém que trabalha em um departamento público, pode se sentir constrangido com o nome “urbanismo negro”. Por outro lado, David Adjaye também pode ter problemas com a ideia de uma “arquitetura negra” ou “urbanismo negro”. É uma ferramenta de diagnóstico, um instrumento bruto para abrir um debate, mas não é o produto final. Não quero que estejamos falando em urbanismo negro daqui a 25 anos. Quero falar sobre uma forma evoluída de urbanismo.

 

Paul Goodwin participou em Terceira Metade, uma programação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro com a curadoria de Marta Mestre e Luiz Camillo Osorio, e que se desenha no espaço geográfico e mental do Atlântico, em especial na triangulação Brasil, países africanos e Portugal.

  • 1. N.T.: ‘urban’, em inglês, significando, nesta acepção, bairros densamente povoados.

por Paul Goodwin
Cidade | 17 Maio 2011 | arquitetura, Terceira Metade, urbanismo, urbanismo negro