DELHI DELIGHT! A Máquina de desejos do século XXI

PERDOEM-ME os seguidores do yoga, dos retiros espirituais, os amantes das paisagens exóticas da Índia, perdoem-me também os defensores da sustentabilidade e da resiliência.

Apresento-vos a região metropolitana de Delhi - ou uma das distopias urbanas do século XXI, o lugar do fim (ou do princípio do mundo), o espaço-limite onde os impasses ou conceitos teóricos ocidentais se esboroam por incapacidade, constituindo não mais que um espectro difuso, delirante ou quase mitológico sobre a possibilidade de definir futuros neste contexto.

Poderosos fluxos globais de capital colam-se à sua sociedade segmentada e à precariedade induzida, constituindo as forças motrizes que a movimentam e constroem. Movem a migração rural que procura um futuro promissor na cidade e que acaba a engrossar as fileiras de mão de obra barata ou apenas e só a expandir as já infindáveis e periclitantes favelas que convivem lado a lado com enclaves financeiros, tecnológicos e imobiliários securizados, movem a construção das colossais infraestruturas que os acompanham, movem a desregulação governativa e legislativa…, movem desde o faminto condutor de riquexó que pedala na cidade velha até aos magnatas de Gurgaon, donos de empresas assinaladas na Fortune 500. Só as vacas escapam a este vórtice, ou talvez nem isso. Muitos chamam a isto ‘crescimento desigual’ - eu prefiro chamar-lhe ‘montanhas de desigualdade’. Também o que dizem ser o planeamento urbano deve neste contexto ser antes referido como mosaico de negociações sobre o uso do solo (apenas 24% da população vive em zonas legalizadas). Depois há outras ‘externalidades’ não menos inquietantes, a poluição alarmante, a mobilidade caótica, as infraestruturas e recursos incapazes de suprir as necessidades de uma população em crescimento que se estima vir a ser de 27 milhões em 2021.

Não me parece neste contexto que o yoga, a espiritualidade ou a religião resolvam os problemas; a sustentabilidade parece uma utopia importada - que já chega fora do prazo - e em resiliência já a população de Délhi se encontra: resiste todos os dias, um após o outro, nem que seja através do simples gesto de transportar balões coloridos pela cidade no meio deste universo de des(ilusões). E agora?

Publicado originalmente no Correio do Porto.

por Sebastião Santos
Cidade | 4 Abril 2016 | Índia, sociedade, urbanismo