Lisboa nas ruas, entrevista com o rapper Chullage

No mundo da periferia de Lisboa o rap, e mais em geral o Hip Hop, tem muita recepctividade da parte dos jovens. Como achas que a música pode ajudar os jovens num contexto de pobreza e violência?

Acho que o rap pode ser um canal de protesto e de mobilização da juventude pobre no mundo. E depois duns anos aparece de novo com uma força de intervenção na comunidade pobre, no movimento anti-guerra, etc. Aqui em Portugal em L.A, na Grã-bretanha o rap está outra vez a assumir-se como a voz crítica do tempo de Ice Cube e Public Enemy. Estão a aparecer novos rappers com uma música panfletária e activa fodida. 

O rap é praticado na maioria por negros, mas também por ciganos e brancos que vivem nos mesmos bairros. Isto pode ser por um lado uma oportunidade de encontro entre identidades diferentes, até ao ponto de construir identidades novas, mas também pode criar elementos de conflictualidade. Qual é a tua opinião?

Eu acho que o rap como moda não trouxe interculturalidade como se falou, mas sim a possibilidade duma classe consumir aspectos da outra. Então a musica rap fez o crossover mas os valores por detrás do rap foram higienizados, escondidos para que o rap fizesse esse crossover para a indústria cultural imperialista. No entanto, aqui em Lisboa quando ouves um cigano a cantar em criolo, ou quando vês o rap negro activista de Lisboa a dialogar com o rap branco activista do Porto percebes que há pontos de encontro muito bons que vão unir parte da juventude. No entanto haverá sempre uma franja a querer ditar aquilo que é o hip hop “aceitável” ou seja clean (que se expressa de e para a classe média maioritariamente branca) e aí haverá, e bem, sempre conflitualidade.

E entre os bairros diferentes, achas que são mais os objectivos comuns – de luta e resistência -  ou há mais um conflito real?

Há conflitualidade entre pessoas dos bairros e há objectivos comuns entre pessoas dos bairros então não é que existe este bairro contra aquele ou unido aquele existem pessoas que se mobilizam para se auto-destruirem ou para se re-cosntruirem a luz do racismo territorial e ambiental e social que sujeita as comunidades Às prisões da miséria a que chamas bairro.

É neste contexto que desenvolveste as tuas ideias musicais, desde logo com o álbum Represálias (2001) e continuas hoje com o lançamento do EP do novo álbum Repressão. Dez anos depois do primeiro trabalho, quais são os novos desafios que o rap tem de enfrentar?

O rap tem de enfrentar um desafio que sempre enfrentou mas que está a uma escala absolutamente descontrolada que é esta economia liberal e esta higienização cultural que mete 40 por cento da riqueza nas mãos de 10 por cento da população e usa a polícia, os militares e as políticas “sociais” para reprimir tudo o resto.

Em Portugal, como na Itália e noutros países europeus, a crise leva a problemas económicos e sociais, os quais se juntam aos velhos. Neste último ano, na televisão e nos jornais sempre se ouviu falar de precariedade, crise e desemprego, problemas que o seu rap desde sempre denunciou. Como vêem esta situação as pessoas que sempre viveram em crise e não só neste último ano?

É o que dizemos. Sempre vivemos em crise, isto é só um agravamento para nós e sabemos que só vamos ficar ainda mais no fundo da pirâmide porque a crise agrava os ismos todos. Mas há que dar luta. 

O Chullage trabalha também no social, na Arrentela, através de uma associação, a Kapaz. O que é que Kapaz faz no bairro e como mudou, se mudou, o apoio do estado neste último ano com o novo governo?

A Khapaz é um espaço de convívio e reflexão comunitária que se bate sempre com as medidas sociais impositivas que o Estado dá em troca de financiamento. Eu vejo a queda do apoio social do Estado como uma oportunidade para sermos mais autónomos, mais activos e mais fortes na luta, mais politizados em vez de “sociais”. A nossa luta social é política e neste sentido os apoios estatais tentam sempre amordaçar a intervenção. E esta tem de ser a partir da comunidade para cima e não o contrário, como muitas vezes caímos no erro de fazer. 

Queria acabar esta conversa com uma pergunta, podemos dizer, pessoal. O Hip Hop em geral nasceu na década de setenta em N.Y. principalmente entre os afro-descendentes. Tu tens pais caboverdianos. Quais são os principais traços da herança africana que caracterizam a música e em particular a tua identidade?

O rap é só mais uma tradição oral africana como o spoken ou as finasons cabo-verdeanas. O meu rap leva cada vez mais com samples de CV e a minha métrica, fonética e cosmovisão têm sempre também coisas que a minha terra me deixou ou que ando a resgatar. 

 

Chullage no myspace

por Luca Fazzini
Cara a cara | 13 Março 2012 | Chullage, hip hop, rap