Os Mestres Loucos, 1955

Os Mestres Loucos Os Mestres Loucos O título - Os Mestres Loucos – promete a quem ainda não teve a oportunidade de ver este filme ímpar e evoca ainda mais a quem, incansavelmente como perante um mistério revelado, se prepara para o rever. Ensaio escrito no ritmo ofegante de uma urgência – existem as necessidades ditas naturais, não existirão também as necessidades culturais? -, ensaio sobre os senhores loucos ilustrado pelos gestos rituais dos servos que se tornaram mestres e senhores da loucura.

Obra incómoda, escandaloso para ambas as partes – e de que parte de nós cegos do corpo naquilo, indizível, que Rouch, passo a passo, lê, traduz e legenda como o seu comentário, explicitando de mais para que qualquer fascínio folclórico-místico se instale e possa mediar a fusão interlocutória entre o olhador e a coisa olhada, depois de ter obrigado a sua câmara, próxima demasiado próxima, exibindo despudoradamente a respiração curta de uma violação, a mostrar na proporção inexacta da fúria de oculto.

Os Mestres Loucos Os Mestres Loucos Neste seu trabalho, onde se alicerça todo um programa de prática e pesquisa, Rouch alia o lado brutal de uma arte em busca de empatia com as técnicas do gesto, à vocação de construir, acabar e inacabar – a montagem e a sonorização constituem aqui um verdadeiro tratado de acabamento.

Aliás, os filmes mais emocionantes deste nosso mestre do cinema etno-excêntrico têm a beleza das casas onde se adivinha o desenho, o traçado mental (viagem de um homem no espaço do seu olhar) sem que a cerebralidade do projecto, transformado em objecto, impeça fruição plástica, sensual, matérica.

O cinema dele é pensado e vivido como forma de relação fantasmática e perversa como o espectado virtual, mas genuinamente de diálogo como o outro, latente, que a objectiva revela e protege – em quem é filmado tanto como em quem filme.

Não foi olho ciclópico da sua câmara dançante capaz, um dia, ao poente, de provocar um estado de transe a tempo de o fazer “caber” num plano-sequência cuja duração corresponde aos limites de um magasin 16mm?

Em Os Mestre Loucos confrontamo-nos porventura com a dura escavação dos alicerces de um cinema cuja força de intimidade provém, et pour cause, de uma intimidade forçada.
(Porto, 2001)    

 

Eu, Um Negro

Eu, o Negro Eu, o Negro Godard tinha visto Eu, Um Negro, realizado por Jean Rouch em Treichville, um bairro popular em Abidjan. A 11 de Março de 1959, Godard escreveu, aliás, no semanário Arts, acerca de Eu, Um Negro: “É o mais ousado dos filmes e, ao mesmo tempo, o mais simples. É um francês livre que lança livremente um olhar livre sobre um mundo livre.

Cinema novo, diz o cartaz publicitário do filme.

Tem razão. Eu, Um Negro é, cinematograficamente, menos perfeito do que outros filmes actuais.

O que não impede que, no que toca às intenções, não os torne a todos não somente inúteis como ainda pior: quase odiosos.

Jean Rouch adivinha que a nobreza da reportagem decorre, de certo modo, de ser uma busca do Graal que se chama realização.

Há também em Eu, Um Negro alguns movimentos de grua que Anthony Mann não desdenharia.

Mas a maravilha é que são feitos à mão.

Em resumos, ao chamar ao seu filme Eu, Um Negro, Jean Rouch que é branco tal como Rimbaud, declara, também ele, que Je est un autre.

Assim, o seu filme oferece-nos o Abre-te sésamo da poesia.”

Godard publica um segundo texto sobre Eu, Um Negro, escrito logo de seguida para os Cahiers du Cinéma, “A África fala-vos dos fins e dos meios”.

Como se Rouch (com os seus pretos) tivesse descoberto a adequação perfeita entre uma história a contar e a forma que a conta, entre personagens e a realização que os acompanha e os leva.

“toda a originalidade de Rouch” escreve então Godard é ter feito dos seus actores personagens.

Actores, aliás, no sentido mais simples do termo, pelo simples facto de serem filmados em acção e de Rouch se contentar em filmar esta acção depois de, à semelhança de Rosselini, a ter organizado logicamente na medida do possível.

 

(Antoine de Baecque)

 

 

Título em português: Os Mestres Loucos
Título original: Les Maitres Fous
Realização: Jean Rouch
Ano:1955
Argumento: Jean Rouch
Fotografia: Jean Rouch
Produção: Jean Rouch, Les Filmes de la Pléiade
Origem: França
Duração: 28 min

 

Título em português: Eu, um Negro
Título original: Moi, un Noir
Realização: Jean Rouch
Ano: 1958
Argumento: imaginado pelos interpretes
Fotografia: Jean Rouch,
Produção: Jean Rouch, Les Filmes de la Pléiade
Origem: França
Duração: 72min

 

Ciclo de cinema África_já ali
Os Mestres Loucos_Jean Rouch
Eu, um Negro_Jean Rouch
Sábado, 11 de Set. de 2010

por Regina Guimarães
Afroscreen | 9 Setembro 2010 | cinema, Jean Rouch