O que significa ser documentarista africana num meio cinematográfico amplamente dominado por homens?

A mulher é a educadora por excelência. Descobre um lugar significativo no cinema documental. As documentaristas, tal como as cineastas do mundo inteiro, enfrentam fronteiras invisíveis e geográficas e inventam os sonhos da sua cultura, da sua geração, entre tradição e modernidade. A primeira destas mulheres documentaristas africanas foi Safi Faye, que traçou o caminho que muitas muitas realizadoras seguiriam. Safi Faye, primeira realizadora negra africana, é célebre pelos seus documentários sobre o mundo rural no Senegal. Documentários aos quais ela aplica toda a sua sensibilidade de mulher, como aconteceu com Kaddu Beykat que ganhou prémios, nomeadamente no Fespaco, em Berlim e no FIFEF. Depois de ter sido professora, ao conhecer Jean Rouch, enveredou pelo trabalho de realizadora.

A documentarista não pode ser diferente do documentarista, mas a mulher traz  indubitavelmente um novo fôlego. Criadora por excelência, propõe, à sua maneira, um discurso melodioso, sensível e mais humano. Para citar o crítico de cinema e escritor Walid Chmait: “Regressa à pureza original para exprimir coisas simples e sinceras.”

Reparamos nesta sensibilidade sobretudo nos filmes da jovem geração. Assim, a jovem realizadora senegalesa Aicha Thiam, no seu filme Papa, transporta-nos num torbilhão de impressionantes imagens de mar, céu, sol e areia. Num lugar belo e calmo, propício ao recolhimento, Aicha dirige-se ao seu pai desaparecido, a quem evoca a separação e o regresso. Um testemunho simples e cheio de amor.

 

Hoje em dia, ainda que haja um aumento de mulheres documentaristas em África, o seu número encontra-se ainda limitado em relação aos homens que constituem a maioria neste meio. É necessária paixão e muita audácia para as realizadoras africanas levarem avante os vários desafios que enfrentam enquanto mulheres, em primeiro lugar, e enquanto realizadoras, mas o nosso combate será rasurar, através de obras de qualidade, a imagem esterotipada da mulher, libertá-la da prisão das tradições e da submissão à vontade dos homens.

 

'Nos lieux interdits' de Leila Kilani'Nos lieux interdits' de Leila Kilani

As mulheres documentaristas, na maioria, têm-se revelado engajadas. Existem inúmeros obstáculos para os documentaristas africanos, que se prendem com o desenvolvimento dos países africanos, entre outros, a fraca industrialização, a má governação, a alta taxa de desemprego, a falta de infra-estruturas, a persistente pobreza. A crise financeira mundial dos últimos anos apenas agudizou a situação destes cineastas que vivem, actualmente, muitos problemas para trabalhar.  

 

Assim, assistimos impotentes e passivos a toda uma situação de dependência dos países da África Ocidental quanto aos financiamentos europeus em geral. É certo que os países doam fundos para o cinema, mas estes financiamentos não são muito consequentes nem acessíveis. Esta situação de cinema apoiado não nos honra muito pois, abrindo a porta a toda a espécie de manipulações e de esquemas, cria uma espécie de cineastas africanos que perderam a dignidade, procurando seduzir os patrocinadores com um folclore extravagante e uma falsa autenticidade para angariar a sua filmografia. Por outro lado, o facto de ser fechado em critérios rigorosos aos quais deve responder, limita consideravelmente a liberdade de escolha do tema e do lado visual na nossa obra. O que não ajuda a eliminar os clichés.

 

No entanto, esta dependência é um mal necessário pois muitas obras não teriam existido sem a mesma.

 

Apesar desta difícil situação económica e político-social, o número de documentaristas africanas aumentou consideravelmente nos últimos anos e elas realizam filmes de excepcional qualidade artística e estética.

 

originalmente publicado no catálogo do Dockanema, Maputo 2009

Translation:  Marta Lança

por Soxna Amar
Afroscreen | 10 Julho 2012 | documentário, mulher