Licínio de Azevedo: Crónicas de Moçambique

Licínio de Azevedo: Crónicas de Moçambique… “Mas é mesmo preciso ter o meu nome no título?”  perguntou-me algumas vezes Licínio de Azevedo.

Não fosse o filme pertencer a uma série que se rege por determinados formatos, eu ter-lhe-ia feito a vontade, porque esse seu desejo é muito revelador da relação que mantém com o mundo onde vive e com o seu trabalho.

Dar a voz aos outros. Ouvir os outros. Ancorar o seu trabalho na observação de uma determinada realidade histórica e social. Pôr as pessoas a representarem-se a si mesmas. Estas são as premissas do trabalho de Licínio e que se podem resumir numa frase: o desejo de ir ao encontro de alguém.

É desse dispositivo observador /visitante que nasce a matéria dos seus filmes e é através deles que Licínio se deixa verdadeiramente revelar numa essência mais abrangente.

Por isso neste documentário tentei  dar a conhecer a diversidade e a particularidade dos seus filmes e criar uma narrativa onde episódios do presente coabitam com imagens do passado e personagens ficcionais e reais se tornam indistintos. Mas a matéria principal são todos esses “espíritos” que saem das “crónicas” de Licínio e que nos mostram um mundo difícil, marcado pela violência. Os espíritos dos que cá estão e dos que já partiram formam esse coro diverso, por vezes desesperado, por vezes cheio de humor que é a expressão tão humana da identidade de um povo.

África é por natureza mais um local de partida do que chegada, e Licínio é, à luz desse paradigma, uma excepção. Nasceu e cresceu gaúcho Brasileiro, veio para Moçambique muito jovem, mas foi para mim importante neste filme retirar-lhe das costas o fardo - ou o estigma - do “estrangeiro” por que sei que a sua nacionalidade e identidade passaram há muito de opção a condição.  E não somos todos nós estrangeiros quando vamos ao encontro dos outros?

Sinopse

Licínio de Azevedo, jornalista brasileiro, chegou a Moçambique em 1977 e tornou-se hoje no cineasta que, através dos seus filmes, conseguiu recolher o mais importante testemunho da História e da identidade de Moçambique. Dos anos de utopia revolucionária, aos trágicos momentos da guerra, Licínio acompanhou tudo, fugindo aos cânones do cinema/propaganda, e criou crónicas do real; a luta do homem pela sobrevivência, os seus dramas pessoais e familiares.

Algo em que as pessoas se reviam e se reconheciam num momento de grande agitação revolucionária e onde convergiam para este país recém-independente muitos intelectuais e artistas vindos de todo o mundo que queriam testemunhar o nascimento uma nova sociedade “perfeita”. Mas o que se passou a seguir não foi o sonho esperado… A guerra começa, os intelectuais partem…

Licínio fica e, através dos seus filmes, vai conseguir criar o que é hoje o testemunho mais importante da História recente e da identidade de Moçambique. Dos anos do sonhos da criação do Homem Novo, até aos mais trágicos momentos da guerra, Licínio acompanhou tudo, fazendo um cinema que fugia à propaganda e se aproximava de algo mais real; a luta do homem comum pela sobrevivência, os seus dramas pessoais e familiares. Algo em que as pessoas se reviam e se reconheciam: a imagem de um povo. Com um dispositivo muito particular, onde a vida do cineasta e a sua relação com o “mundo filmado” se confundem com aquilo que obtém como matéria dramática, os seus filmes são curiosamente impossíveis de definir: nem ficção, nem documentário, nem docudrama. Ou serão isso tudo…?

Através da vida e obra de Licínio de Azevedo, e do conhecimento da sua forma de trabalhar, este filme é sobretudo uma reflexão sobre uma época de grandes mudanças, onde a História do cinema e a História do mundo caminharam paralelamente nas suas revoluções, reflexões e reinvenções.

por Margarida Cardoso
Afroscreen | 15 Outubro 2011 | História, jornalismo, moçambique, sociedade