Dockanema 2011

“Ao abrir a 1ª edição do Dockanema, em 2006, lembro-me de ter usado a frase do realizador chileno, Patrice Guzman, “Um país sem documentário é como uma família sem fotografia”. Gosto muito desta ideia do documentário resgatar a memória de um povo, de um país, de uma comunidade, de uma família. Ainda hoje me inspiro na mesma frase, a cada edição deste festival.

Este ano, quando vamos na sexta edição do Dockanema, o meu propósito é também de relembrar, e sobretudo não deixar esquecer, a importância do documentário na nossa sociedade, e sobretudo na nossa memória colectiva.

Não poderia haver melhor escolha, ao abrir o 6º Dockanema, que o filme de Patrício Guzman “Nostalgia da Luz “, numa edição que se propõe render homenagem ao cineasta Ruy Guerra,  para mais uma vez reafirmar esse propósito.

Os primeiros filmes do Patrice Guzman foram mostrados em Moçambique logo após a independência, e ele é um dos raros realizadores cuja toda a obra cinematográfica foi mostrada no nosso país. Escolhi a Nostalgia da Luz, por ser, na minha opinião, o melhor exemplo disponível do documentário como memória de um povo.

O Ruy Guerra faz parte da história do cinema deste país e a homenagem que o Dockanema lhe reserva só peca por ser tardia.

Tudo isso me remete à noção de memória, do fecho de um círculo, de onde estávamos quando começámos a vê-lo e a senti-lo, e onde estamos agora. Sobretudo do que sentíamos na altura e o que sentimos hoje.

Numa altura em que se fala cada vez mais da noção da economia da criatividade como alternativa potencial para o desenvolvimento de Moçambique, questiono-me se, nas reflexões em curso, o papel e a função do espectador - isto é, do consumidor primeiro no nosso cinema - não tendem a ser esquecidos .

Urge lembrar que o propósito essencial da criação de um cinema nacional teve, na altura, como centro fulcral da sua existência, a possibilidade do público mocambicano rever-se e identificar-se com essas imagens. Muito terá mudado desde então, mas estratégias que não incluem essa necessidade fundamental estão votadas ao insucesso.

Urge também sem dúvida repensar os modelos de estruturação para o desenvolvimento do cinema em Moçambique. Penso que não nos podemos dar ao luxo de pensarmos em produzir sem alternativas sérias e sustentáveis de difusão. Penso também que novas ideias baseadas em modelos antigos não podem surtir os efeitos desejados.

 A nossa memória colectiva deve ainda lembrar-se que o cineasta Ruy Guerra empenhou-se para que o país se dotasse, já nestes anos, de um circuito popular que facilitasse o acesso e o consumo do cinema nacional, que dava os primeiros passos nessa altura.

E respondendo desde já a uma pergunta que me fazem todos os anos:  não há nada de novo nesta edição. O nosso objectivo é sempre o mesmo, as nossas metas são as  mesmas: mostrar o que de melhor se faz em Moçambique e no mundo, novos olhares, formas de trabalhar, e potenciar um maior contacto entre profissionais do ramo, nacionais e estrangeiros.

Para finalizar, e fazendo um pequeno balanço dos últimos anos, brindo à maior visibilidade que o Dockanema deu ao documentário moçambicano. Dou também os parabéns às várias iniciativas cinematográficas que já são organizadas regularmente no nosso país. Falo das mostras de cinema no Núcleo de Arte, no Arte no Parke, do festival de curta-metragem KUGOMA, do festival  CINEMAMEU de Inhambane. É por esta democratização da cultura, e neste caso, do documentário, que organizamos, todos os anos, o Dockanema.”

por Pedro Pimenta
Afroscreen | 7 Setembro 2011 | cinema moçambicano, Dockanema, documentário