Speaking Volumes e Terra Crioula

Speaking Volumes é uma agência de produção literária que tem como objectivo de promover escritores de cor britânicos. Em Março de 2017 lançaram o projecto Breaking Ground: Celebrating Writers of Colour e um catálogo com o perfil de 200 escritores na London Book Fair. Este catálogo foi concebido para ser um guia para editores, diretores de festivais, produtores de eventos e acadêmicos literários, tanto na Inglaterra  quanto no exterior.

Yovanka PerdigaoYovanka PerdigaoEm Outubro deste ano fui convidada pela Speaking Volumes a participar numa conversa sobre migração e identidade com os escritores JJ Bola, do Congo, e Marcia Douglas, da Jamaica, para o festival de literatura em Birmingham. O público foi muito acolhedor, rindo e acompanhando as nossas histórias loderadas pela escritora Maeve Clarke. Foi um evento cheio de emoções e alegrias onde pudemos os três falar sobre as nossas experiências de migração e de como afetaram o nosso percurso literário.

JJ Bola, poeta e escritor, nasceu no Congo e viveu a maior parte da sua vida na Inglaterra. Ele leu un extracto do seu novo romance No Place to Call Home, baseado na história de imigração dos seus pais. Através da sua leitura, descobrimos as ruas de Kinshasa acompahados pela rumba congolesa.

Marcia Douglas também leu uma passagem do seu romance Marvellous Equations of the Dread. O romance era música para os ouvidos! Foi uma canção que nos transportou para as praias da Jamaica com o patois,  “Redemption” do Bob Marley, e a voz de Marcus Garvey no background.

Eu escolhi partilhar uma história publicada pela magazine AFREADA, inspirada por um episódio na vida dos meus avôs:

Aos seis anos saí da Guiné-Bissau por causa da guerra de 1998. Vivi entre Lisboa, Abidjan e Dakar até finalmente chegar a Londres como estudante universitária. Em Novembro 2016 voltei à Guiné depois de 18 anos de ausência e de memórias amargas. Foi nessa viagem que, ao falar com um tio, descobri uma época negra para os meus avos. Na época colonial o meu avô, como muitos outros africanos, foi imprisonado e torturado pela PIDE enquanto a minha avó estava grávida da minha mãe. A minha mãe nasceu com o pai ainda na cadeia. Esse momento da vida deles roubou-lhes tanta vida, deixando uma tristeza melancólica no meu avô.

Também tive a ocasião de partilhar sobre uma nova plataforma literária que criei. Chama-se Terra Crioula e promove escritores afro-lusófonos, foi inspirada pelo Breaking Ground da Speaking Volumes. No mundo literário fala-se pouco dos escritores afro-lusófonos pois muito poucos são traduzidos para outras línguas além do português. A primeira edição é sobre a Independência e vai ser lançada em 2018.

Amílcar Cabral, ideólogo das independênciasAmílcar Cabral, ideólogo das independências

É necessário que o mundo literário abra as suas portas ao escritores negros, pois através da escrita se cria laços de compaixão. Especialmente neste momento em que as pessoas negras são violentamente assaltadas por um sistema racista em várias partes do mundo. Pude observar este fenómeno de compaixão em Birmigham quando li a minha história numa audiência que nada sabia da Guiné-Bissau mas que, no fim, queria procurar entender esse país desconhecido.

É por isso que o trabalho do Speaking Volumes é tão importante. Lisboetas podem agradecer a vossa sorte pois a Speaking Volumes estará em Portugal no dia 7 de Novembro às 18h30, no auditório da Fundação José Saramago. Os escritores Peter Kalu e Jacobo Ross serão acolhidos pela tradutora e jornalista Carla Fernandes. Não percam!

 

por Yovanka Paquete Perdigão
A ler | 29 Outubro 2017 | afro-lusófonos, escritores negros, Literatura, terra crioula