Muros

Quando o Muro de Berlim foi derrubado, quiseram vender-nos a estória de que as barreiras, as fronteiras que dividiam o mundo estavam definitivamente deitadas abaixo. A Nova Ordem Mundial pós-muro seria a da livre circulação das pessoas, das ideias, das mercadorias e da economia mundial globalizada. Doce ilusão.

Bruno Gonçalves, do Centro de Estudos Ciganos e do SOS RacismoBruno Gonçalves, do Centro de Estudos Ciganos e do SOS Racismo

Os eufóricos alemães que queriam acabar com a divisão artificial do seu país e pôr fim à ditadura stalinista que vigorava no Leste sonhavam realmente com este mundo sem fronteiras.

Mas a verdade é que passados poucos mais de 20 anos, as barreiras de todos os tipos multiplicam-se. A finança circula livre e freneticamente. Já as pessoas vêem cada vez mais tolhida a sua liberdade de movimentos. Se querem mudar, encontram todo o tipo de entraves, leis, quotas, polícia, serviços de estrangeiros. E até os bizarros Muros da Vergonha são cada vez mais construídos pelo mundo afora.

Em Portugal, descobrimos que há pelo menos dois – um em Beja, que isola o bairro das Pedreiras do centro da cidade e guetiza uma comunidade cigana; e outro em Montemor-o-Novo, à volta do bairro da Janelinha, para isolar este bairro social de um complexo de piscinas cobertas.

Os muros lusitanos tresandam a racismo e xenofobia. São os novos muros de apartheid interno, que lembram os que estão a ser construídos no Brasil, em torno de algumas favelas do Rio de Janeiro.

Mas a maioria dos novos muros que se espalham pelo mundo mais altos e mais extensos e pretendem impedir o acesso aos países ricos de pessoas vindas do mundo pobre. Muros que querem impedir o acesso à Europa dos africanos que sonham com uma vida melhor – os 8,2 km das barreiras de arame-farpado que cercam Ceuta e os 12 km que cercam Melilla, enclaves espanhóis no Norte de África. Ou os cerca de mil quilómetros de muro de 4-5 metros de altura instalado na fronteira entre o México e os EUA, que cobre um terço do total da fronteira entre os dois países.

São muralhas em torno de parcelas ricas de um mundo cada vez mais desigual – como as barreiras de segurança que a Arábia Saudita construiu na sua fronteira com o Iémen e está a construir nas fronteiras com o Iraque e outros países. É uma barreira física, mas em zonas mais desertas inclui dispositivos como vigilância por satélite, sensores electrónicos e radar e até aviões de reconhecimento.

Há também os muros da ocupação e do apartheid, como o construído por Israel nos territórios ocupados da Palestina ou o que Marrocos levantou no Saara, contra a Frente Polisário.

Há muros que são herança da antiga ordem mundial, como os que separam as Coreias ou dividem Chipre.

Afinal ainda há muita gente que acha que paredes de betão de 5 metros de altura resolvem problemas. Esses são os verdadeiros viúvos do Muro de Berlim.

 

Artigo publicado originalmente no ESQUERDA.NET

por Luís Leiria
A ler | 24 Outubro 2010 | muros, segregação