Imigrantes na literatura brasileira

Um exame de qualquer compêndio de literatura brasileira evidenciará um dado curioso: escasseiam, até a década de 1970, autores cujos sobrenomes não sejam ibéricos (portugueses ou espanhóis) – ou, posto de outra maneira, somente a partir daquela década começam a ganhar visibilidade escritores (poeta ou prosadores) descendentes dos mais de 3,5 milhões de imigrantes que por aqui aportaram entre 1890 e 1930 – basicamente portugueses, espanhóis, italianos, alemães, japoneses, sírios, libaneses e judeus.

Miseráveis, expulsos de suas nações pela fome, aceitavam propostas, no mais das vezes inverídicas, de ir trabalhar a soldo num lugar desconhecido, com clima, vegetação, língua, costumes e hábitos alimentares totalmente diferentes dos seus. Estas famílias tiveram, portanto, que inicialmente resolver questões básicas de adaptação e sobrevivência: dedicaram-se a garantir moradia, comida e vestimenta para os filhos, proporcionando a eles, a primeira geração nascida no Brasil, condições um pouco mais dignas de vida.

Até a década de 1960, os poucos escritores de sobrenomes não-ibéricos que surgem são filhos de imigrantes privilegiados, seja pela fortuna, seja pela profissão, ou, em outras palavras, que chegaram ao Brasil em condições bem diversas da maioria de seus compatriotas. Mas a partir da década de 1970 a literatura brasileira passa a contar com uma profusão de sobrenomes não-ibéricos, com predominância dos dois grupos que mais enviaram imigrantes para o Brasil, italianos e alemães (a lista que se segue, que abrange três gerações, não é, claro, exaustiva, mas apenas uma amostra). Italianos: Wander Piroli, Ivan Angelo, Renata Pallottini, Affonso Romano de Sant’Anna, Domingos Pellegrini, Elvira Vigna, Mafra Carbonieri, Ivone Benedetti, Edney Silvestre, Cristóvão Tezza, Cadão Volpato, Ronaldo Cagiano, Sergio Fantini, Fernando Bonassi, Lourenço Muttarelli, Adriana Lunardi, Fernando Fiorese, Ronaldo Bressane, João Anzanello Carrascoza, Eliane Brum, Marcia Tiburi, Cecilia Giannetti e Luiz Henrique Pellanda. Alemães: Harry Laus, Lia Luft, Aldyr Garcia Schlee, Flávio (Wolf) Aguiar, Charles Kiefer, Luiz Augusto Fischer, Marcelo Bakes, Henrique Schneider, Paula Taitelbaum, Carlos Henrique Schroeder e Manoela Sawitzki.

Os sírios e libaneses não vieram para o Brasil expulsos pela fome, mas sim, em sua grande maioria, perseguidos pelo Império Otomano, por razões de crença religiosa, já que eram cristãos vivendo em território muçulmano. Assim, aportaram aqui famílias de classe média, com vocação urbana – o oposto dos italianos e alemães, pobres, camponeses, analfabetos. Destacam-se, em diversas gerações, nomes como Emil Farhat, Jamil Almansour Haddad, Salim Miguel, Mário Chamie, Manoel Carlos Karam, Jamil Snege, Carlos Nejar, Foed Castro Chamma, Waldyr Nader, Raduan Nassar, Nagib Jorge Neto, Milton Hatoum e Alberto Mussa.

Também se diferenciam os imigrantes judeus. Chegados em tempos mais recentes –após a Proclamação da República e o início da Segunda Guerra Mundial – eram, como os sírios e libaneses, essencialmente urbanos e, mesmo que pobres, davam, até por razões religiosas, uma enorme importância à cultura livresca. Isso permitiu, por exemplo, que a década de 1940 assistisse à estréia das irmãs Lispector, Elisa e Clarice, nascidas na Ucrânia, e que em 1956, Samuel Rawet, nascido na Polônia, publicasse seu primeiro livro. A partir da década de 1970, vários outros nomes surgiram, Moacyr Scliar, Jeannette Roszas, Arnaldo Bloch, Cintia Moscovich, Bernardo Ajzenberg, Julián Fuks, Michel Laub, Tatiana Salem Levy, Carol Bensimon, Leandro Sarmatz, Alexandre Staut…

Embora abrigue cerca de 1,5 milhão de nisseis, a maior população de japoneses e descendentes fora do Japão, entrados no país entre 1908 e 1915, durante muito tempo a colônia resistiu a se integrar – os poetas e prosadores continuavam inseridos dentro da tradição oriental, nos temas, na escrita, no idioma. Até muito recentemente, o nome de Eico Suzuki, aparecido na década de 1970, mantinha-se solitário na história da literatura brasileira, mas agora ganhou a companhia de Marília Kubota e Oscar Nakasato.

 

originalmente publicado na revista Africa 21, outubro 2013

por Luiz Ruffato
A ler | 17 Outubro 2013 | imigrantes, literatura brasileira