Artes em alguma África e demorou tanto tempo

O filme “Apnée”, da realizadora marroquina Mahassine El Hachadi, ganhou o prémio para a melhor curta-metragem do Festival de Filmes de Marrocos, em Dezembro de 2010, e recebeu-o no meio do glamour de Ouarzazate, com a presença de Martin Scorsese, Malkovitch, Harvey Keitel e de outras celebridades que já concederam deslocar-se a esta cidade marroquina. O filme ganhador saiu de um conjunto de dezoito filmes marroquinos produzidos em 2010.

Por outro lado, já se fala em Ouallyood como referência a este recente fenómeno que é o de Ouarzazate tornar-se não só um importante lugar de festival de cinema na África do Norte, mas, também, de captar a produção de muitos filmes que aqui se têm realizado.

No momento em que este jornal sair, deve estar em exibição na Cidade do Cabo, naquela que é uma das melhores galerias de artes visuais do mundo, as exposições “Arcadia”, de Deborah Poynton, e uma excelente selecção de 47 imagens do fotógrafo legendário Billy Monk, tiradas nesta cidade nos nightclubs, entre 1967 e 1969. Quão longe estamos nestes dois países de África, como aliás em muitos outros, do tempo em que Picasso, em companhia de Matisse, descobre a arte africana, em 1906, através de uma máscara branca de origem fang do Gabão e, apesar de nunca se ter deslocado a este continente, declarar-se um apoiante da ’arte africana‘. Também estamos longe do Primeiro Congresso Internacional de Escritores e Artistas Negros organizado em Paris, em 1956, pela revista Présence Africaine, com o apoio da UNESCO, onde estavam presentes historiadores, poetas, pensadores negros, como Amadou Hampâté Bâ (Mali), Léopold Senghor e Cheikh Anta Dipo (Senegal) Marcus James (Jamaica), e até a mítica coreógrafa e bailarina Josephine Baker que por lá passou, que reivindicaram o reconhecimento do mundo para o seu trabalho e mostravam a qualidade artística e excelência intelectual do seu pensamento. Eles seriam os pioneiros de uma cultura que negociava a sua descolonização mental e ideológica e seriam os portadores de muitas utopias que reivindicavam para o continente africano. Independentemente do que aconteceu ao movimento independentista que se seguiu, e que em muito terá decepcionado estes próprios protagonistas, é um facto que muitos de entre eles, como outros, constituem a base das narrativas em formação sobre a história cultural de África do século XX, com uma enorme justiça.

A partir dos anos sessenta, há uma ebulição em muitos países africanos com a criação de escolas de arte. A par das primeiras exposições de autodidactas, acontecem os primeiros festivais de artes negras e até a fotografia de autores africanos se impõe em África, em países europeus e em alguns fóruns nos EUA. Está em fase de redacção a história do que foram estes movimentos artísticos, as suas escolas, os seus protagonistas, a sua difusão internacional, mas uma coisa já sabemos: ela foi desigual e heterogénea conforme os países, a natureza do ex-colonizador, a maior ou menor presença de artistas e escritores autodidactas, assim como a maior ou menor opção pela escolha da escrita em línguas universais ou em línguas locais, com diferentes impactos na comunidade literária internacional. Hoje, esta situação de desigualdade dos panoramas artísticos nos países africanos é um facto.

Tanto se pode encontrar um movimento de pose artística nunca antes conhecido em qualquer parte, como são os sapeurs - uns dandies que se encontram em Brazaville e em Kinshasa, únicos no modo como fazem do vestuário e da pose um movimento de criatividade social urbana -; como no Sudão, só por perseverança e obstinação, se pode encontrar o fotógrafo Ali Mohamed Osman no meio do caos e da guerra civil.

É sabido que não há relação directa entre desenvolvimento económico e criação artística e cultural. Contudo, sem mercado e sem financiamentos não é possível a criação artística, a formação e a produção e, nos países onde os mínimos têm acontecido, o resultado é muito positivo. Também sabemos que há uma relação directa entre criação cultural e a sua recepção em regimes onde a democracia se instala. Os melhores exemplos de produção em países africanos ilustram-no. Quando estas duas componentes se conjugam, o resultado é maioritariamente positivo. É um facto que há excepções, que decorrem de outros factores nem sempre de fácil explicação ou de causas imediatamente visíveis. E parte desta problemática pode ser aplicada às artes tradicionais africanas. Sobre estas e para estas há um trabalho enorme a realizar: de investigação, de escrita e de registo, segundo novas metodologias e técnicas e, sobretudo, sob um outro olhar menos dogmático no que concerne a uma visão do período colonial e, em especial, do período pré-colonial. Como há também e imperativamente a necessidade de catalogar as obras antigas, estando elas nos seus supostos lugares de produção e de concepção como em museus, instituições colecções extra-africanas. É um imperativo ético e de alcance artístico inestimável.

Há hoje uma nova geopolítica das artes em África, de que são exemplos a realização de um conjunto vastíssimo de exposições, festivais, produções, livros, e há programadores e produtores que, em muitos países africanos, europeus, sul-americanos, norte-americanos fazem acontecer, ver e ouvir as criações originárias ou da diáspora africana. Também em Portugal, depois de décadas de alheamento, novas gerações de agentes culturais e de artistas, creio que com toda a autenticidade, têm contribuído para isto. O Programa Gulbenkian Próximo Futuro tem o enorme orgulho de, à medida das suas possibilidades, fazer parte deste movimento internacional de negociação cultural com África.

 

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por António Pinto Ribeiro
A ler | 8 Abril 2011 | arte contemporânea, gulbenkian, próximo futuro