SOYA KUTU, Oficinas Criativas sobre Plantas Medicinais em S.Tomé e Príncipe

projecto de INÊS CASTAÑO e LUÍSA SEIXAS

A apropriação de um fragmento da expressão em crioulo forro Soya Kutu D’amala que dá nome ao projecto, deriva da sua utilização tradicional. Designando a resolução de um mistério lançado por um interlocutor a outro, aguardando uma resposta certeira, estabelece-se assim uma relação de partilha em torno de pequenas estórias.

Soya Kutu - Estória Curta, assenta na motivação para a autoconsciência cultural e a cidadania activa através de uma prática criativa e produtiva partilhada, concretizando-se na realização de Oficinas Criativas, procurando mediar diferentes esferas do saber através da prática criativa, com vista à preservação e promoção do património santomense.

Activando-se como recurso para o envolvimento de cada um dos participantes, definiram-se as plantas medicinais de São Tomé e Príncipe enquanto temática operativa permeável à sensibilidade de todos, capaz de estabelecer relações entre as ideias de território, património, cultura e a sua preservação.

As Oficinas Criativas, com a duração de uma semana, promoveram a construção de curtas-metragens: estórias curtas em torno do universo temático das plantas medicinais de São Tomé e Príncipe, recorrendo a metodologias e técnicas do Cinema de Animação.

PLANTAS MEDICINAIS | MEDICINA TRADICIONAL

Considerando que actualmente perto de 75% da população africana recorre apenas a plantas medicinais para se tratar - comprovada a sua segurança, eficácia e acessibilidade — estas constituem uma alternativa sustentável face aos medicamentos Ocidentais.

Partindo do conhecimento das plantas medicinais de São Tomé e Príncipe, posicionou-se o universo semântico das Oficinas Criativas na Medicina Tradicional e narrativas que lhe são próprias, procurando valorizar o património cultural imaterial autóctone, tornando-o visível e promovendo uma valiosa troca de conhecimentos e narrativas vivas.

As Oficinas Criativas tomaram como campo de acção a etnobotânica e a etnofarmacologia, uma vez que se constituem enquanto espaço privilegiado de cruzamentos disciplinares: desde questões ligadas ao estudo da botânica, à saúde, alimentação e bem estar, à cultura, práticas tradicionais e crenças locais.

A abordagem à Medicina Tradicional pretendeu despoletar o encontro intergeracional em cada comunidade, valorizando a transmissão oral do património, alertando para a necessidade da sua preservação e manutenção, despertando para novos modos de olhar o território santomense nas suas várias perspectivas — da ecologia à arte, passando pelos saberes tradicionais e pela pluralidade cultural. Neste processo promoveu-se ainda um espaço fértil e privilegiado de discussão e troca de conhecimentos entre todos os participantes.

Sob consultoria da investigadora Maria do Céu Madureira e com a colaboração de terapeutas e parteiras tradicionais locais, foi possível a partilha entre os vários modos de conhecer, utilizar e descobrir as práticas tradicionais, numa aproximação às bases para o reconhecimento e recolecção das plantas, e a urgência das boas práticas na Medicina Tradicional.

CINEMA DE ANIMAÇÃO

O recurso às técnicas e processos de animação serviu de base para a integração das várias perspectivas em cruzamento no espaço criado pelas Oficinas Criativas. O processo inerente à produção das curtas-metragens instigou à participação livre, assumindo cada um dos participantes o seu papel, de entre a multiplicidade de funções requeridas por cada estória curta: desde a escrita do guião, à concepção gráfica, do desenho à manipulação dos dispositivos tecnológicos, bem como à coordenação do grupo.

Simultaneamente, a prática criativa, aqui posta em evidência através do cinema de animação, assumiu um papel activo na aprendizagem: aprender a comunicar, a mudar de perspectiva sobre uma realidade próxima, na promoção de uma vontade de valorização activa e de produção.

A construção das curtas-metragens pretendeu promover a articulação entre o conhecimento adquirido durante as Oficinas e aquele que é já tido como saber popular: da alimentação como prevenção à necessidade da nomeação científica da botânica na partilha do conhecimento.

As valências do suporte audiovisual permitiram fazer convergir num único objecto diferentes modos de comunicar, construíndo narrativas com recurso a diferentes linguagens plásticas. A imagem cinematográfica permitiu assim estabelecer uma mediação entre os aspectos idiossincráticos de cada local, tornando-os visíveis.

EQUIPA DE TRABALHO

O projecto, concebido e coordenado por Inês Castaño e Luísa Seixas, contou com consultoria artística de Eduardo Guerra e Miguel Ferrão. Convidou-se Maria do Céu Madureira, etnofarmacóloga, como consultora e coordenadora científica.

Para a sua concretização no terreno, o projecto contou com uma equipa vasta de pessoas-recurso: líderes comunitários, associações locais, ONGD’s. Os terapeutas e parteiras tradicionais assumiram a dupla função de pessoas-recurso /consultores uma vez que, integrados na comunidade, têm a capacidade de estabelecer a comunicação entre os grupos, detendo ainda um conhecimento muito particular da medicina tradicional e das plantas medicinais.

A equipa completou-se quando, em cada local, se constituíram os grupos de trabalho, os quais contam com número variável de elementos (entre dez e quinze), constituídos de forma heterogénea, com idades compreendidas entre os sete e os dezassete anos.

METODOLOGIAS, APRESENTAÇÃO E DIVULGAÇÃO

As Oficinas Criativas realizadas na ilha de São Tomé em Agosto de 2012 decorreram em três localidades, permitindo assumir diferentes abordagens à Medicina Tradicional, tanto pelas suas características geográficas como culturais e sociais.

Se, por um lado, na Saudade , Distrito de Mé-zóxi, se procuraram as especificidades de uma comunidade rural (na sua maioria de ascendência caboverdiana), em São João de Angolares, Distrito de Caué, pretenderam-se convocar as características de uma comunidade, na sua maioria, piscatória, detentora de uma língua própria, o angolar.

Finalmente, na cidade de São Tomé , Distrito de Água Grande, o enfoque foi dado aos cuidados de higiene necessários na produção de medicamentos tradicionais.

Sob orientação de Maria do Céu Madureira, foi possível reunir diferentes aspectos relacionados com a prática activa da Medicina Tradicional, contactando com curandeiros e parteiras tradicionais de cada uma das localidades, que contribuíram com testemunhos vivenciais essenciais para as temáticas a desenvolver com os participantes das Oficinas.

Com a duração de uma semana em cada local, os primeiros dois dias de actividades foram dedicados à Etnofarmacologia e Medicina Tradicional. Neste período, Maria do Céu Madureira, em parceria com curandeiros, parteiras e produtores locais introduziu a temática das plantas medicinais específicas a cada contexto. Foram abordados os diferentes espécimens e utilizações tradicionais, finalizando-se com um passeio pelas imediações das localidades, em que os participantes identificaram e recolheram plantas medicinais segundo indicações específicas, de acordo com as boas práticas tradicionais.

Durante os restantes três dias, foram desenvolvidos os filmes, desde a concepção da storyline, sinopse, storyboard, construção de cenários e personagens, captação de imagens e sonoplastia.

Com recurso à fotografia, stop motion, edição de vídeo e áudio foram desenvolvidas 7 curtas-metragens.

Com o intuito de fornecer informação complementar, elabourou-se, em parceria com Maria do Céu Madureira, um breve glossário das mais importantes Plantas Medicinais utilizadas na Medicina Tradicional Santomense, onde se incluía a planificação diária das Oficinas Criativas, que foi distribuído a todos os participantes.

As curtas-metragens construídas durante as Oficinas Criativas foram apresentadas numa sessão pública, no dia 9 de Agosto de 2012, no Centro Cultural Português - Instituto Camões, na cidade de São Tomé, na qual estiveram presentes todos os que integraram o projecto, a quem foram entregues diplomas de participação e a compilação em dvd de todas as curtas-metragens realizadas.

No final do mesmo mês, dia 31 de Agosto - dia da Medicina Tradicional Africana - os filmes realizados foram exibidos nas estações públicas de televisão, TVS e RTP- África e durante os dias seguintes.

FILMES REALIZADOS EM SÃO TOMÉ

16.06.2013 | par martalanca | plantas medicinais, S.Tomé e Príncipe